VISTO DE FORA

Maria Botelho Moniz e Lord Voldemort

person holding camera lens

por Tiago Franco // Abril 3, 2023


Categoria: Opinião

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Nos dias que correm, leia-se, das redes sociais, a melhor forma de receber atenção é dizer alarvidades. Quanto mais aberrante, repleta de ódio e ofensiva for a mensagem, maior atenção recebe o seu autor.

É uma estratégia utilizada, por exemplo, por André Ventura há alguns anos – e com o conhecido sucesso que os votos demonstram. Aquilo a que muitos chamam “dizer as verdades”, ou “dizer o que os outros pensam”, é geralmente uma simples demonstração de ódio, falta de educação e pouquíssima noção do que deve ser a vida em sociedade.

Alexandre Pais, um antigo jornalista de quem nunca tinha ouvido falar, veio desde anteontem para a ribalta com uma crónica absolutamente lamentável sobre Maria Botelho Moniz, uma apresentadora da TVI, de quem também nunca tinha ouvido falar.

Do Something Great neon sign

É relativamente indiferente o meu conhecimento de ambos para esta crónica nem isso os diminuiu. Depois de tentar perceber quem eram as personagens, entendi que a falha do desconhecimento era obviamente minha. Alexandre Pais é agora um ex-jornalista bem velhinho, que já andou a virar frangos nas redacções há muitos anos. Passou pelo 24 Horas, Record, Sábado e Correio da Manhã, o que explica o meu desconhecimento, uma vez que opto sempre pela Renova, quando compro papel higiénico.

Maria Botelho Moniz apresenta os programas que a minha avó vê – e, por aí, eu de facto deveria saber quem ela era.

O texto dedicado por Alexandre Pais a Maria Botelho Moniz resume-se a esta frase: és gorda e não devias aparecer na televisão.

Ele lá acrescentou uns parágrafos – para aquilo não parecer um tweet – mas a ideia era dizer que lhe custava ver tal personagem na tela mágica. Perguntar-me-ão que interesse há em tal texto? Pior, o que me leva a comentar um texto que não tem qualquer interesse? Seriam questões legítimas, com efeito.

Alexandre Pais, ex-jornalista e colunista do Correio da Manhã.

No meu caso é a confiança do Alexandre. Temos um velhinho, com uma careca bem polida, umas orelhas todas pontiagudas e uma pele ressequida a escorrer pelo queixo, a fazer lembrar o Voldemort, e que acorda um dia e pensa: “epá, incomoda-me ver aquela gaja na televisão… já tenho crónica”.

Já agora, convém também dizer que não sabia quem era o Lord Voldemort até o meu filho me obrigar a papar os 300 filmes do Harry Potter. Agora percebi que não era o Ralph Fiennes maquilhado que lá aparecia no castelo de Hogwarts, era sim o Alexandre, que terá sido descoberto pela J.K.Rowling numas férias no Algarve. Aposto que se conheceram na Kadoc, ali para os lados de Boliqueime.

Bem sei que o escrito era para o Correio da Manhã, mas, mesmo assim, não teria sido de básica sensatez o Alexandre olhar para um espelho antes de se meter a fazer crónicas de beleza?

Diz ele que não tem ódio e que só diz o que vê. Ele, o Alexandre, que também fazia televisão (ou parecido, já que era na CMTV) e que a todos nos presentava com aquelas feições estonteantes. Que confiança!, que altivez a do velhote!

Não contente, ainda falou nas peles caídas dos braços da Cristina Ferreira. Que rei! Lord Voldemort a dizer que a Cristina Ferreira tem de trabalhar mais os tríceps. Carlos Castro rebola no túmulo com estas crónicas do cor-de-rosa.

O meu problema não é apenas por um estafermo ser pago para irradiar ódio enquanto insulta a beleza física dos demais. Aquilo que mais me choca é como um diretor de jornal permite a publicação de tal pedaço de estrume. Repito: mesmo para o Correio da Manhã, deveriam existir mínimos olímpicos.

Alexandre Pais saiu da gruta com o alvo habitual e mais fácil: as mulheres no espaço público. Reparem que ninguém exige a um apresentador homem que seja mais agradável à vista no ecrã. Ninguém pede a Marques Mendes que chegue com os pés ao chão quando se senta ao lado de Clara de Sousa. Ninguém pedia a Fernando Mendes que desviasse a barriga para vermos o Preço Certo. Ninguém proíbe o Costa de falar aos jornalistas até limpar o tártaro dos dentes. A ninguém incomodava o olho preguiçoso do Medina Carreira. E, que me lembre, ainda não cancelaram o Mira Amaral que ao fim de 30 segundos a falar encher os cantos da boca de espuma. Isto já para não falar do exército de carecas com aqueles restos de cabelo cheios de sebo que pululam em todos os canais.

Maria Botelho Moniz, apresentadora da TVI.

Já com as mulheres, enfim, convém que sejam todas em formato de viola e com peles bem esticadas. Ao estilo de Catarina Furtado ou Sónia Araújo, como o bom do Alexandre referiu. Repare-se que é um homem que critica, mas apresenta logo a solução. “Mónica, tenta ser igual à Catarina para meu deleite pessoal”.

Que homens destes tenham espaço público para opinarem atrocidades do século XIV, aborrece-me no Portugal de 2023. Ver a mulher como um objecto que, ao contrário de homens na mesma função, não estão lá para informar, ler notícias ou liderar programas de entretenimento.

Aparecem na televisão apenas para que idosos de cabeça bem polida, já sem funções vitais operacionais no baixo-ventre, tentem sentir aquele calafrio da esperança no movimento, enquanto fazem zap nos canais nacionais.

Não penses mais nisso, Alexandre. Há peles que a partir de certa idade, por mais Catarinas e Sónias que vão aparecendo na TV, já não vão mesmo ao sítio.

Ah, e espero não ter ofendido o Alexandre com as minhas descrições físicas do sujeito. Tal como ele, também só relato o que vi.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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