Estive mais de oito horas sentado, frente ao televisor, para ouvir os depoimentos das ex-administradoras da TAP na Comissão de Inquérito da Assembleia da República.
Como a maioria dos portugueses, fiquei atónito com o desplante, a descontração, o sentido de impunidade, com que estas responderam às questões dos deputados.
Pela ex-CEO, Christine Jeanne Ourmières-Widener, uma francesa que ainda não compreendeu Portugal, ficámos a saber que o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, lhe pedira para adiar um voo, proveniente de Moçambique, que tinha como passageiro o Presidente da República, já que este, alegadamente, precisava de ficar mais dois dias em Maputo.
Em troca de mensagens, a ex-CEO da TAP terá dito que não achava correcta essa medida e isso a incomodava.
Ao que o ex-Secretário de Estado respondeu:
“Bom dia, sei que isto é um incómodo para ti, mas não podemos mesmo perder o apoio político do Presidente da República. Ele tem-nos apoiado no que diz respeito à TAP, mas se o humor dele mudar, tudo se perde. Uma frase dele contra a TAP ou o Governo e ele empurra o resto do país contra nós. Não estou a exagerar. Ele é o nosso principal aliado político, mas pode transformar-se no nosso pior pesadelo.”
A alteração não foi feita e Christine Jeanne Ourmières-Widener, mostrou-se satisfeita na Comissão de Inquérito:
“Não fiquei surpreendida deste pedido não ter origem na Presidência da República, mas talvez de alguém no processo que achou que era uma boa ideia. Este voo não foi alterado e o Presidente encontrou outra solução. Não fiquei surpreendida, o Presidente nunca nos pediria para alterarmos um voo. Neste caso teria impacto em mais de 200 passageiros.”
A maior desilusão, no fim de tudo isto, vem de percebermos a facilidade com que qualquer asno pode chegar a Secretário de Estado.
Basta mostrar toda a subserviência com os fortes, bajulando-os a toda a hora, para subir alguns patamares até conseguir chegar a um ponto em que será ele um dos bajulados.
Neste caso não resultou porque a vaidade em querer mostrar o seu poder foi ainda maior do que a sua imensa burrice ao dar aquelas instruções por escrito.
Vai ter que regressar à Juventude Socialista e ali estagiar mais uns anos, colando cartazes nos períodos eleitorais e carregando as pastas dos chefes.
Mas o maior escândalo divulgado nessas audiências veio da Deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, que deu conta de uma indemnização a um ex-CEO da TAP, um gestor brasileiro que todos criticam por negócios desastrosos e “estranhos” (digamos assim), com empresas do Brasil, e que terão prejudicado a transportadora portuguesa em milhares de milhões de euros.
Segundo a Senhora deputada, esse gestor terá recebido uma indemnização de mais de um milhão de euros, já depois de ter saído da empresa, e que, para tal pagamento, fora utilizada a conta bancária de uma firma criada dias antes, com esse propósito.
Todos os membros da Comissão ouviram.
Presumo que muitos elementos da Procuradoria-Geral da República também tenham escutado.
Não tornei a ouvir falar desse tema.
Estará a ser investigado?
Como é que uma empresa, que recebe milhares de milhões de euros de todos os contribuintes, pode distribuir prendas, de milhões de euros, a administradores e quadros superiores, usando subterfúgios para tentar esconder ilegalidades, sem que nenhuma autoridade investigue, puna os ilegalmente beneficiados e recupere essas verbas?
O que se espera?
Quem beneficia com esta inércia?
Não se poderá falar de desconhecimento porque a informação foi dada por uma Senhora Deputada, numa Comissão de Inquérito da Assembleia da República, com transmissão, em directo, em vários canais de televisão.
Com toda a certeza, alguém da Procuradoria-Geral da República terá ouvido.
Vão permitir que os responsáveis (???) por uma empresa subsidiada em milhares de milhões de euros, com o apoio dos impostos de todos os portugueses, continuem a distribuir fortunas entre si?
Este escândalo da TAP só veio tornar mais claro o dia-a-dia de empresas geridas pelo Estado.
Gerir o dinheiro dos outros é tão fácil…
E tão lucrativo…
E, em Portugal, isento de riscos!
Pelo menos que isto sirva de lição a candidatos a ladrões.
Querem assaltar empresas lucrativas, sem qualquer risco e com êxito garantido?
Nada mais fácil, basta conseguir um lugar nos conselhos de administração.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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