Em Portugal, a cor da pele – ou a raça ou etnia, termos que, em si mesmo, devem ser usados sempre com a máxima prudência, porque o wokismo está ao virar da esquina para tachar epítetos – é considerada um dado nominativo e, por esse motivo, quase nunca é recolhido para efeitos de estudos sociológicos, económicos, sociais ou sanitários.
Ora, mas como grande parte de toda a informação relevante para a elaboração de diagnósticos e de avaliação de políticas económicas, sociais e de saúde pública somente fazem sentido se a componente étnica e racial constituir uma variável com informação fiável, ficamos sempre às cegas.
Por exemplo, não conseguimos em Portugal comparar, com uma base minimamente rigorosa, qual o rendimento médio da população negra em comparação com a população de origem caucasiana; não conseguimos comparar o grau de qualificação da população de etnia cigana; e não conseguimos sequer saber qual a esperança média de vida e o impacte de determinadas doenças – por exemplo, a letalidade da covid-19, hélas – nas diferentes etnias que vivem no nosso país.
Não se sabe porque, ai Jesus!, seria uma promoção do racismo recolher essa informação sensível. E assim protegida a intimidade dos negros, assim ignoramos as carências da população negra. Assim protegida a intimidade da população cigana, assim a ignoramos e a estigmatizamos, com mitos e preconceitos.
O racismo é, na verdade, o reflexo da ignorância, de um medo tantas vezes infundado ao desconhecido. O racismo alimenta-se do desconhecimento, da congeminação de preconceitos, da alimentação de estigmas, de mitos, do boato.
Esta reflexão sobre a forma como em Portugal se colocam sempre mil obstáculos em incluir a variável étnica em estudos – e de isso ser, para mim, um acto de perpetuação do racismo e da discriminação –, surge a propósito de dados divulgados na sexta-feira passada no The New York Times sobre o impacte da pandemia – covid-19 e outras doenças – naquele Estado norte-americano.
Ora, como se sabe, o sistema de saúde norte-americano não é universal, estando muito dependente do tipo de seguro individual e, obviamente, dos rendimentos. E existem enormes diferenças em função das etnias, que não está associada a questões genéticas.
No Estado de Nova Iorque, mesmo antes da pandemia, a esperança média de vida da população negra não chegava sequer aos 79 anos, sendo três anos inferior à da população branca e hispânica.
Em 2020, com o impacte da covid-19 e de toda a desestabilização dos serviços de saúde nos Estados Unidos, sendo certo que a queda da esperança média de vida foi substancial e generalizada em todas as etnias – muito pela elevada mortalidade na população idosa –, a população negra e hispânica foram as mais afectadas comparando com a (mais rica) população branca.
Enquanto a “perda” no primeiro ano na população hispânica – que pela alimentação mais saudável era até superior à população branca em 2019 – e na população negra foi de seis anos (passando de cerca de 83 anos para 77,3; e de um pouco menos de 79 para 73 anos –, a “queda” na população branca foi de três anos, passando para 80,1 anos.
Este indicador demonstra não apenas um impacte das políticas económicas, sociais e de saúde antes como durante a pandemia, mostrando que o impacte das doenças não atinge todos por igual.
E em Portugal, o que sucedeu?
Não se sabe, porque não se pode saber. Saber seria ser-se racista.
Mas conhecerem-se esses dados permitiria que os políticos não tivessem a desculpa da ignorância para não actuarem, para não corrigirem essas desigualdades absurdas. E não corrigirem as desigualdades, supostamente evidentes mas não quantificáveis, logo não “avaliáveis” (em termos de diagnóstico e de avaliação de medidas), isso sim, é que é um acto de perpétuo racismo.
Por isso, quando se defende em Portugal que a recolha de dados étnicos se mostrará sempre uma atitude intolerável, discriminatória e mesmo racista, eu acho exactamente o contrário: racismo é a manutenção desta ignorância sobre dados fundamentais para se definirem políticas sociais que combatam as desigualdades, a discriminação e o “negócio da lamúria”.
Para deixar de se ser racista, convém conhecermos como vive cada uma das nossas etnias. Somente assim se eliminam os preconceitos e se ganha empatia e se promove a equidade, e por fim a igualdade de oportunidades.