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Falemos de Maria Botelho Moniz

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A apresentadora Maria Botelho Moniz teve o seu nome visado por um cronista que se referiu às suas características físicas de forma depreciativa. Aproveitemos nós então para dizer coisas verdadeiramente importantes sobre o nome Botelho Moniz. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


Quero agradecer ao cronista Alexandre Pais o facto de ter chamado a atenção para o aspecto físico da apresentadora Maria Botelho Moniz, pois sem ele e sem o alarido público que a crónica provocou, não teria agora uma oportunidade de dizer algumas coisas que eu sei.

Não, caro Alexandre, não vou falar de ti e das coisas que sei sobre ti – trabalhei com ele no 24 Horas e Tal&Qual e poderia contar factos, mas isso seria dar demasiada importância a assuntos que só interessam a uns poucos. Só tenho a dizer que não me surpreendeu o conteúdo da crónica. Está coerente com aquilo que há muito o Alexandre faz e tem o seu público.

Maria Botelho Moniz

Aquilo que o Alexandre não faz, vou fazer eu: vou contar-vos algumas coisas sobre o nome Botelho Moniz que, acredito, a grande maioria das pessoas não sabe e que são bem mais importantes do que andar a discutir o aspecto físico de uma das pessoas que ostenta o nome dessa família.

O bisavô de Maria Botelho Moniz, chamava-se Jorge Botelho Moniz e, tendo nascido em 1898, entrou cedo na vida política. Pode-se mesmo dizer que foi com um estrondo, pois esteve envolvido no golpe de Sidónio Pais, a 5 de Dezembro de 1917, com apenas 19 anos. No ano seguinte, foi eleito deputado pelo Partido Nacional Republicano. Será depois um dos participantes do golpe militar do 28 de Maio de 1926, juntamente com o seu irmão, Júlio Botelho Moniz.

Se a bisneta Maria tem no sangue a comunicação, então isso também se justifica pelas raízes familiares, pois o bisavô foi o fundador da Rádio Clube Português, em 1931. Segundo as informações que podemos ler sobre ele no News Museum, Jorge era amigo de Salazar e, durante a guerra civil de Espanha, por estar à frente uma rádio privada, conseguia ser mais activo na defesa da propaganda nacionalista espanhola do que a própria Emissora Nacional, que tinha de manter uma posição mais neutral.

Foi, segundo a página da Assembleia da República com a sua ficha parlamentar, um “dos entusiastas da fundação da Legião Portuguesa”. Entre outros cargos que teve ao longo da vida, destaca-se ainda o de Administrador da RTP, em 1957, quatro anos antes da sua morte, em 1961.

Jorge Botelho Moniz (1898-1971) e Júlio Botelho Moniz (1900-1970)

O nome de Jorge Botelho Moniz será ainda recordado por ter sido ele, no início dos anos 50, responsável pelo fim da chamada Lei do Banimento. Essa era a lei que, vinda ainda do tempo da monarquia, mantinha banida de Portugal a família real descendente do rei D. Miguel, derrotado na guerra civil de 1832-34 pelos liberais de D. Pedro IV.

Na sequência do fim da lei, um pequeno príncipe chamado Dom Duarte de Bragança, foi autorizado a vir viver em Portugal e ser hoje considerado como pretendente ao Trono de Portugal, apesar de ser descendente de uma linhagem banido desse direito.

Coisas que a ditadura de Salazar conseguiu criar e que a República de hoje, ao ter em Dom Duarte a única e aparente réplica monárquica, aproveita isso como se fosse um seguro de vida. E é algo que bem que podem agradecer ao bisavô de Maria Botelho Moniz.

Enquanto Jorge era uma pessoa bem integrada no regime de Salazar e um fiel seguidor das ideias do Estado Novo, o seu irmão Júlio, militar de carreira, tornou-se no ministro da Defesa, mas ficaria conhecido por ter estado na origem de uma tentativa de golpe militar. No mesmo dia em que o soviético Iuri Gagarin se tornava no primeiro homem no espaço, 12 de Abril de 1961, o tio-bisavô de Maria Botelho Moniz tentava atirar por terra o regime de Salazar. Queria promover a independência das colónias e evitar uma guerra, mas sem sucesso.

António Salazar, à direita. Foto: Horácio Novais (1910-1988).

A tentativa de golpe de Júlio Botelho Moniz levou então a uma remodelação no Governo e foi nessa altura que Adriano Moreira se tornou no ministro do Ultramar, tendo Salazar passado a assumir a pasta anteriormente detida pelo tio-bisavô de Maria Botelho Moniz. Só 13 anos mais tarde e muitos mortos depois é que Portugal encontrou a Democracia que hoje vamos tendo.  

Como se vê, haveria muito mais para se dizer sobre Maria Botelho Moniz. Muito mais do que o mero comentário a respeito do seu aspecto físico que – cá entre nós, há quem goste e muito. Mas como a Imprensa portuguesa, nestes últimos 50 anos, não produziu grandes nomes, lamento apenas que fiquemos a conhecer Alexandre Pais por ter dito o que disse em vez de falar daquilo que eu sei.

Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


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