Francisco Miranda Rodrigues é o bastonário da Ordem dos Psicólogos. Para mim, tanto me faz como me fez. Na breve biografia que se lhe conhece, diz-se que nasceu em 7 de Abril de 1974 – portanto, viveu 17 dias em ditadura (já moderada), que é psicólogo formado pela Universidade de Lisboa e especialista em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações e da Saúde Ocupacional, que dirigiu equipas de recursos humanos, qualidade, ambiente e de segurança, higiene e saúde no trabalho. E é bastonário da Ordem dos Psicólogos há mais de seis anos, embora ocupasse funções na associação antecessora desde o início do século.
Procuro na internet, e vejo ser homem de opiniões, “autor de vários artigos de opinião na imprensa portuguesa”, segundo a sua página da Wikipédia. Publicou no mês passado aquele que julgo ser o seu primeiro ensaio para o mercado editorial, Como gerir pessoas, com prefácio do ex-ministro Poiares Maduro.
Não conheço a obra, mas deve ter muitas opiniões. Aliás, muitas opiniões deverão estar reflectidas também nos seis prefácios em diversos ensaios na área da Psicologia que escreveu nos últimos quatro anos, de acordo com consulta na Biblioteca Nacional.
Pesquiso discursos seus pelas redes sociais, por exemplo no YouTube da Ordem dos Psicólogos, ele bota profusa faladura. Opina. Não é nenhum Freud, mas enfim, não é isso que está aqui em causa.
Aquilo que está em causa é eu achar – e devo mesmo achar, por um imperativo de cidadania democrática – que o Doutor Francisco Miranda Rodrigues tem todo o direito a dizer o que bem lhe apetece, como lhe apetece, quando lhe apetece e da forma que lhe apetecer. Pode ser aplaudido pelo que disse, pode ser criticado negativamente pelo que disse (ou não disse), pode passar a ser, pelo que disse, respeitado, gozado ou endeusado.
Faz parte da convivência democrática que tal suceda.
E é exactamente pela convivência democrática que, estando eu a borrifar-me para as opiniões do Doutor Francisco Miranda Rodrigues, sobretudo em discursos que nem aquecem nem arrefecem, antes pelo contrário, defendo que ele tem o direitos proferir tanto sentenças como parvoeiras.
E, exactamente pelo mesmo motivo, não posso então tolerar que ele, como circunstancial bastonário da Ordem dos Psicólogos – que, recorde-se, tal como a famigerada Ordem dos Médicos, é apenas uma associação profissional de direito público, o que lhe traz direitos mas também obrigações perante os cidadãos comuns –, condicione a opinião de outras pessoas, somente por deterem a mesma profissão dele. E que use e abuse de um estatuto concedido pelo Estado – o de regulador de uma profissão – para condicionar e até punir opiniões de seus colegas de profissão, que, antes disso, são meus e nossos concidadãos.
Ontem, o PÁGINA UM publicou uma entrevista com a psicóloga Laura Sanches e, até atendendo à sua genética (filha de Maria José Morgado e Saldanha Sanches), chega a ser perturbador saber que, em 2023 – quase cinco décadas após o 25 de Abril –, a Ordem do Doutor Francisco Miranda Rodrigues intentou-lhe dois processos disciplinares por mero delito de opinião ou por intervenção pública como cidadão. Pior: um desses processos é sobre alegadas opiniões que ela nem sequer tomou, estando até “proibida” de falar sobre o assunto.
O esquecimento da História, acrescido da “alimentação” dos egos de pequenos ditadores com os seus “gabinetes”– que se pavoneiam de opinar mas em simultâneo condicionam a livre opinião dos seus pares – é um dos maiores flagelos da nossa democracia, que rapidamente caminha para uma degradação irreversível.
Ver hoje que até a filha de Maria José Morgado e de Saldanha Sanches pode ser perseguida por delito de opinião – e não por más práticas clínicas ou por outra qualquer infracção punida pelo Código Penal – é intolerável. Imaginemos o que sucede aos cidadãos sem essa aprendizagem de luta democrática. Ou aos cidadãos anónimos ou aos profissionais que não têm sequer uma”rede protectora”. Esses calam-se.Cria-se o podre unanimismo controlado por inquisidores de opinião.
Vivemos hoje uma aberração democrática com estes pequenos ditadores de capelinhas. A existência e acção debragada de figuras como as de Francisco Miranda Rodrigues – e, infelizmente, há tantos e tantos como ele nessas pequenas igrejas de condicionamento social – são um cancro autêntico para a nossa democracia. E deve ser o quanto antes extirpado. A Bem da Nação, como diria o outro, que era um ditador.