Acusações podem ser falsas ou verdadeiras. O grito de alerta pode ser público ou nas instituições adequadas. Todos podemos recorrer aos tribunais para atacar quem nos prejudica ou nos está a causar dolo. Para isso eles existem. O Ministério Público pode ser chamado a filtrar algumas das acusações, mas não impede o cidadão de se constituir assistente num processo e avançar, embora com custas.
O que não gosto?
Não gosto de ver acusar pessoas na praça pública como se fossem roupa suja. Não gosto de ver ataques da honorabilidade que podem redundar em inocência, mas nunca mais branca e imaculada, porque a imprensa e a rede social sujam para sempre.
Atentar contra a honra de outros deve ser uma cerimónia, um gesto de reflexão com avaliação de amigos. Os amigos verdadeiros não se esticam, não empertigam, não gritam mais que o ofendido.
A Diana usou a rede social sem cuidar do julgamento. Juntaram-se milhares de pessoas aos gritos do aprendiz de cirurgião, envolvendo as suas emoções, suas circunstâncias, sem cuidar de reflectir, de colocar dúvidas ou de seguir a lógica: inocente até prova em contrário, in dubio pro reo.
Dezenas de jovens médicos (no triste espectáculo que muitas vezes é o lugar “médicos unidos”) solidarizaram os seus dramas, suas vivências, seus egos narcísicos e pouco humildes com uma história que desconhecem. A boçalidade veio à rua vestida de bata, com estetoscópio aos ombros.
Acusações a colegas são legítimas, são necessárias, mas devem decorrer nos lugares certos. Este costume de mal dizer, como agora experimenta o Professor Boaventura de Sousa Santos e outros catedráticos de Coimbra, acarreta um problema psiquiátrico de colagem do eu ao que acabamos de ouvir. “Parece mesmo a história que me emociona e eu vivi”.
Pumba! Lá estão todos solidários e aos gritos. Boaventura está a comer de um prato que a esquerda adora – o insulto aos adversários políticos, a ofensa gratuita, a mentira abaixo da cintura. Bolsonaro, Trump, Ventura, sabem do que estou a falar. Claro que Lula, António Costa, Seguro já beberam deste cálice também.
Pode ser que as acusações tenham fundamento, não duvido que algumas tenham lógica, mas pela vida de trinta anos de cirurgia posso garantir que já vi inábeis com grandes sucessos, gente cheia de conhecimento e habilidades ter rotundos fracassos.
A Medicina não é uma ciência exacta, e não é verdade que aquilo que as pessoas afirmam corresponda a má prática. A maioria das queixas em saúde devem-se à forma como se fala, ou por tempos de espera – e nada disso é Medicina.
A realidade exposta pelo Professor Villaverde Cabral é que “os que pior dizem do SNS nunca o utilizaram”. A verdade também é que mais de 95% das queixas contra médicos em tribunal se mostraram infundadas, sendo uma decisão que não envolve corporativismo. Também é verdade que mais de 95% das pessoas que usaram o SNS se referiram elogiosamente em inquéritos.
Quanto mais grave a doença melhor a aferição. A verdade é que a sorte e o azar existem. A realidade é que, muitas vezes, o melhor é não causar dano.
Não sou corporativo, e até sou demasiado conhecido e visado por ser incómodo, e por tudo isso, estou aborrecido com o que se está a passar em Faro, com o protagonismo que a desorientada comunicação social dá a esta Diana, e com o que estão a fazer com Boaventura Sousa Santos de quem já escrevi duras críticas.
O problema está na inocência – imaginem, por um segundo, a quantidade de mentiras que já brotaram de divórcios. Lembrem-se durante um curto tempo dos inocentes que Portugal encarcerou sem razão alguma. Reflictam sobre a possibilidade de alguém vos fazer o mesmo. Basta entrar sozinho num elevador com uma maluca que se ponha aos gritos e estás acusado de assédio. Basta um tipo gritar que maltratas o teu cão e o mundo incendeia-se.
Aquilo que me doeu mais foi a quantidade de gente sofrida, cheia de azedume, que se solidarizou sem qualquer freio ou cuidado com esta jovem. Todos os textos e discursos desta médica são de uma moralidade que não lhe pertence.
Ninguém é a defesa da moral alheia, ninguém é a fronteira do bem e do mal, ninguém é a garantia da qualidade, ninguém consegue o erro zero. A humildade devia chover sobre esta gente que transporta regadores de trampa nas casas alheias. Talvez um pouco de senso e reflexão, dissolvidos como açúcar na humildade desse jeito também.
Já agora dizer que as declarações mais lúcidas, assertivas que ouvi foram do Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos.
Diogo Cabrita é médico
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