REPÓRTER LX

O buraco de Santa Justa

aerial view of village houses

por Repórter LX // Abril 16, 2023


Categoria: Exame

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Fim de Março 2023, esquina da Rua dos Fanqueiros com a Rua de Santa Justa. Ao lado do estabelecimento “Armazéns Afonso”, de venda de roupa e tecidos, perto dos correios e limitado por barreiras de plástico, abre-se um considerável buraco no chão.

Há uns cabos à vista, bastante entulho misturado com garrafas de plástico e sacos de pedras. O abandono e desleixo é notório, e tudo que parece indicar estar assim há algum tempo.

Existe uma esplanada perto e uma farmácia em frente. Turistas passam por ali com frequência, descendo do Castelo a caminho da Baixa e, em particular, em direcção ao histórico Elevador de Santa Justa.

Repórter LX, de passagem pelo local, olha para o estado do caminho e, para tentar perceber a situação, interpela um comerciante local:

– Este buraco está aqui há muito tempo?

– Vai fazer cinco meses.

– Cinco meses?! Tem a certeza? Não está a exagerar?

– Então? Foi aberto em Novembro e estamos em Março…

– Em Novembro? E ainda está assim? Mas abriram isto para quê?

– Era para tirar uns cabos que estavam obsoletos, só que precisavam de arrancar uma árvore. O presidente da Junta disse que não concordava. O presidente da Câmara dizia que sim. Entretanto, cortaram a árvore, mas as raízes ainda estão aí! Está na mesma!

– Desculpe lá, mas isso que me está a dizer é simplesmente ridículo! A árvore foi cortada, mas não tiram as raízes que impediam a remoção dos cabos? E agora ninguém faz nada quanto ao buraco?

– O presidente da Câmara até já veio aí a ver. E o presidente da Junta, agora, evita passar por aqui para não ter de falar comigo sobre esta vergonha.

– E isto, a si, prejudica-lhe o negócio…

– Claro! As pessoas afastam-se desta parte do passeio por terem medo de cair, apesar de haver ali um pedaço de madeira. E o pior é que, à noite, usam isto como casa-de-banho pública. Fica depois o cheiro…

– E já algum jornalista escreveu sobre isto?

– Não. Ainda não.

– Está bem. Obrigado, amigo e boa sorte com o negócio.

– Obrigado.

Repórter LX tira foto ao local e retira-se com a ideia de escrever algo sobre este buraco em particular.

Dez dias se passaram, acrescidos aos cinco meses. Pelo sim, pelo não, Repórter LX passa no mesmo local para confirmar a situação e… nem de propósito, repara que, neste ínterim, o buraco foi tapado. Chão impecável, tudo limpinho, mas o coto da árvore, cortado, permanece no mesmo sítio, como se fosse um banco alto. Intrigado, pergunta ao mesmo comerciante como conseguiram, afinal, tirar os cabos sem a necessidade de remover as raízes da árvore.

– Então, amigo? Conseguiram tirar os cabos e arranjar-lhe o buraco sem tirar o resto da árvore?

– Qual quê? Foram obrigados a tapar isto porque, segundo ouvi dizer, mas não tenho a certeza, caíram aí duas senhoras durante a noite. Parece que veio cá polícia e ambulância. Eu não vi… Mas a Câmara mandou logo tapar.

– Isso significa que os tais cabos obsoletos, que queriam tirar e obrigou à abertura do buraco, continuam lá em baixo?

– Sim! Dizem que vão regressar para abrirem novamente o buraco, mas desta vez vão fazer um maior ao longo da rua…

– Mas tapam e destapam? E a árvore que cortaram, afinal, ainda ali está o tronco. Não tiraram as raízes…

– O presidente da junta já voltou a passar por aqui. Ele diz que vai colocar a Câmara em tribunal por causa do corte da árvore. Ou que até já colocou, nem sei…

– Bem, as árvores fazem falta…

– Claro que sim. Esta não era muito antiga. Devia ter pouco mais de 30 anos, talvez ainda do tempo do Kruz Abecassis. Só que está muito próxima de uma caixa de electricidade, enterrada ali ao lado. Pode ser um risco para esta zona da Baixa ficar sem luz…

– Tenho a certeza de que vão conseguir chegar a uma solução. Pelo menos, para já, voltou a ter o chão como devia ser.

– Para já, sim. Deixaram de usar isto como casa-de-banho. Agora vamos ver que buraco vão voltar a abrir…

– Boa sorte, amigo, porque pelos vistos isto ainda não acabou!

– Obrigado.

Repórter LX tira então, enfim, e por fim, foto ao local, agora arrumado, e afasta-se, a pensar que a cidade é um palco de surpresas. Sobretudo quando um buraco é aberto e permanece assim durante quase meio ano, para ser tapado sem estar realizada a obra que levou à sua abertura, e, enquanto não é novamente aberto, provocou já o corte de uma árvore, cujas raízes permanecem enterradas, mas abrindo, aparentemente, uma disputa legal entre órgãos autárquicos.

Mas, afinal, não fossem estas pequenas coisas, que outro motivo haveria para duas pessoas, estranhas, entabularem conversa nesta nossa Lisboa? 

FDC


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