Uma parede foi erguida nas arcadas públicas do Hotel Mundial, no Martim Moniz. Não se trata de conquistar Lisboa de novo aos mouros, mas apenas para impedir que os sem-abrigo morram à frente de um supermercado
A lenda de Martim Moniz diz que o guerreiro morreu entalado na porta do Castelo quando estava a ajudar o rei D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos mouros. Não vamos discutir aqui se esta história é verdadeira – o Castelo não foi conquistado, mas rendeu-se após um cerco de vários meses. O que devemos discutir é a parede que se ergueu nas arcadas públicas do Hotel Mundial, na Praça Martim Moniz.
Foi em Janeiro passado que se montou a dita parede, no local onde está um supermercado Continente. Esta é uma estrutura tosca, sem qualquer gosto estético que combine com a arquitectura original, frágil e de madeira contraplacada. A intenção era óbvia: impedir que as arcadas servissem de habitação para sem-abrigo.
Um mês antes, um sem-abrigo, que sofria de problemas respiratórios, faleceu naquele mesmo local. Como o negócio do hotel é vender alojamento a troco de dinheiro e o negócio do supermercado é vender comida a troco de dinheiro, sendo que um sem-abrigo precisa de ambos os serviços, mas não tem o dinheiro necessário, então a melhor solução foi a de fechar aquela zona do edifício.
E, com isso, acabou também uma zona de passagem pública – antes de lá estar instalado o supermercado, funcionava uma sapataria, com montra para passagem pública das arcadas, mantendo assim a área limpa.
Como não se pode fazer um decreto a acabar com os sem-abrigo, que “crescem” cada vez mais na cidade, a melhor solução dos responsáveis daquele espaço foi a de mandar colocar ali uma parede. Espera-se que a solução, altamente discutível do ponto de vista arquitectónico e de efeito visual numa área frequentada diariamente pelos turistas – o terminal do famoso eléctrico 28 está ali perto, do outro lado da rua –, tenha respeitado todos os preceitos legais, pois claro.
Ou alguém iria imaginar que, numa cidade onde uma pessoa não pode mandar fazer uma marquise num telhado sem que isso provoque reacções públicas, uma parede possa ser erguida em pleno centro da cidade sem ter todas e mais algumas autorizações de arquitectos, técnicos municipais e políticos?
Se a solução para impedir a morte de mais sem-abrigo passa por fazer paredes em locais onde eles dormem, então prevê-se que Lisboa, em breve, venha ser uma cidade com muitas paredes. Com a grande maioria a viver fora delas, obviamente.
FDC
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