Recensão: As Castas do Vinho – Misturadas com Histórias

Criatividade em estado líquido e muito “terroir”

por Paulo Moreiras // Abril 25, 2023


Categoria: Cultura

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Título

As castas do vinho

Autor

JOÃO AFONSO

Editora (Edição)

Oficina do Livro (Março de 2023)

Cotação

17/20

Recensão

Nos dias que correm, a questão das castas costuma ser um elemento diferenciador para a tomada de decisão sobre a compra deste ou daquele vinho. Pensamos que essa coisa das castas é matéria antiga, que nos acompanha deste os tempos de Noé.

Nada poderia andar mais longe da verdade. A moda das castas, da sua referência nos rótulos ou das estratégias de promoção a determinados vinhos, é um fenómeno recente, surgido em meados do século passado, nos Estados Unidos da América, “através da influência de Frank Schoonmaker, um dos primeiros ‘wine writers’ dos tempos modernos.”

Das milhares de castas existentes no planeta, “mais de 80% da produção mundial de vinho usa menos de 1% da diversidade de uvas disponível.” E, de todas essas, “apenas 12 variedades constituem a maior parte do vinho produzido em todo o mundo (Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot, Pinot Noir, Syrah, Sauvignon Blanc, Riesling, Moscatel de Alexandria, Gewurztraminer, Viognier, Pinot Blanc e Pinot Gris)”.

De acordo com a Portaria 380/2012 de 22 de Novembro, em Portugal existem 342 castas registadas para a produção de vinho: “267 castas de nascimento português (ou ibérico) que, somadas às 75 castas alóctones autorizadas, perfazem o bonito número de 342 castas de Vitis vinifera para fazer vinho em Portugal.” Destas, as castas mais utilizadas são: Aragonez T (11%), Touriga Franca T (8%), Touriga Nacional T (7%), Fernão Pires B (6%) e Castelão T (5%). A área total existente em território continental e ilhas dedicada à vinha é de 192 029 hectares, sendo que 16 castas tintas ocupam 60% da área total e 17 castas brancas ocupam 30% dessa mesma área.

Na sua maioria, as castas usadas para a produção de vinho são obra do engenho humano, da relação que o Homem estabeleceu ao longo de séculos com a Vitis vinifera e soube, com arte e paciência, ir desbravando novas variedades, moldando as vinhas e as castas, inovando e explorando novos sabores e aromas. Se a produção de vinho não é uma expressão da criatividade humana, não sei o que será a criatividade.

O que João Afonso (n. 1957) nos oferece nesta monumental obra (664 páginas), As Castas do Vinho - Misturadas com histórias, é um retrato exaustivo e minucioso de todo esse universo das castas existentes em Portugal, seja de origem nacional, ibérica ou estrangeira, das suas idiossincrasias técnicas, dinâmicas vitícolas e enológicas, origens, ao que cheiram e ao que sabem, num manancial riquíssimo de histórias e curiosidades sumarentas. Para o autor, as castas representam “um certo lado mágico do vinho, a surpresa por detrás de um nome, quase sempre sem significado concreto. Um pequeno mistério.”

Há mais de quatro décadas que João Afonso acompanha a “evolução do vinho português e das castas usadas para moldar o nosso imaginário enófilo”, enriquecendo por isso “este livro com outras prosas, de escrita e leitura mais fluída, fácil e porventura mais agradável” e, mesmo quando escreve sobre castas, tenta “sempre fazê-lo de uma forma mais romanceada que técnica”.

Além de um livro acerca das castas é também um livro sobre pessoas, sobre o encontro de João Afonso com as pessoas que criaram castas e que deram origem a vinhos que ainda hoje nos encantam o palato. Histórias de maravilhamento, afectivas e sensoriais, plenas de respeito e gratas memórias por todas essas pessoas que o autor foi encontrando ao longo da vida no seu périplo de descoberta e achamento do vinho português.

Este livro é, em si mesmo, um mapa do tesouro vitivinícola nacional, descrevendo as pepitas e as preciosas gemas que se escondem nos imensos terroirs que compõem o território de Portugal e as Ilhas. Toda a leitura deste livro é uma espécie de amuse-bouche, constantemente a apelar aos nossos sentidos para que partamos à descoberta destas maravilhas naturais que o homem tão sabiamente soube criar. Não o fazer é desperdiçar esta alegria de estar vivo e brindar a isso mesmo com os nossos amigos e familiares.

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