Jornalista, colunista e com funções de topo na definição editorial de cinco órgãos de comunicação social do Grupo Global Media, Domingos de Andrade não tinha problemas em assumir também tarefas executivas de marketing e parcerias comerciais em oito empresas de media, chegando mesmo a assinar contratos. Em Julho do ano passado, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) ameaçou retirar-lhe a acreditação, mas a “montanha de promiscuidades pariu um rato”: uma multa de mil euros. Assim, Domingos Andrade mantém carteira profissional, liderança e coordenação de redacções e todos os cargos de gestão empresarial, tendo apenas deixado de assinar contratos. Além disso, impugnou judicialmente a multa.
O director da Rádio TSF, Domingos de Andrade, também administrador de várias empresas do Grupo Global Media, foi multado em 1.000 euros pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCCPJ), num processo iniciado após denúncias do PÁGINA UM de que aquele jornalista estaria a definir estratégias de marketing, assinando até contratos comerciais.
Apesar da gravidade da situação, a CCPJ não lhe aplicou qualquer sanção acessória, prevista pelo Estatuto de Jornalista, pelo que Domingos de Andrade manteve incólume a sua acreditação como jornalista e como director editorial de diversos órgãos de comunicação social do Grupo Global Media. Em simultâneo, continua em todos os cargos de administração e gerência de empresas do Grupo Global Media.
De acordo com o Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Domingos de Andrade – que não quis prestar quaisquer declarações ao PÁGINA UM – é director tanto da TSF como da Rádio Jovem de Évora e da Rádio Caldas, tendo também uma crónica regular no Jornal de Notícias. Surge também nas fichas técnicas dos jornais O Jogo e Jornal de Notícias como director-geral editorial. Até Julho do ano passado ainda acumulava o cargo de director-editorial do Diário de Notícias.
Apesar de deter estas responsabilidades jornalísticas de topo, que implicam a definição das linhas editoriais e a coordenação de equipas de jornalistas, Domingos Andrade ainda se ocupa, qual globetrotter dos media, em funções de gestão executiva, incluindo obviamente as áreas comerciais, sendo gerente de quatro empresas (Difusão de Ideias, Lda.; Pense Positivo, Lda.; Rádio Comercial dos Açores, Lda.; TSF – Rádio Jornal Lisboa, Lda.) e de vogal do Conselho de Administração em mais outras quatro empresas (TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve; Açormédia – Comunicação Multimédia e Edição de Publicações; Global Notícias – Media Group; e Rádio Notícias – Produções e Publicidade). Todas são do universo do Grupo Global Media.
Embora a CCPJ nunca tenha disponibilizado detalhes sobre o processo instaurado durante o ano passado contra Domingos de Andrade – considerando que os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos” e que todas as notícias que publicámos eram “sensacionalistas”–, no site deste órgão regulador e disciplinador da classe jornalística esteve até ontem a informação sobre a aplicação da sanção ao director da TSF, que terá sido tomada em 25 de Janeiro deste ano.
No documento inicial que o PÁGINA UM consultou ao longo desta semana no site da CCPJ surge a referência a Domingos Andrade ser “administrador com funções executivas”, e que terá praticado “atos de cariz comercial”, o que constitui um “exercício de actividade incompatível” com o jornalismo. Nesse documento, onde também constam outros quatro processos, informava-se também que a decisão da CCPJ tinha sido impugnada judicialmente no dia 13 do mês passado.
Mas, entretanto, de forma inopinada, esta informação das sanções aplicadas a jornalistas em processos iniciados em 2022 foi retirada pela CCPJ, curiosamente após o contacto do PÁGINA UM a Domingos de Andrade, sendo substituída por outra. Na nova ligação desapareceu as referências ao processo de contraordenação de Domingos de Andrade e da jornalista Maria Moreira Rato, ambas impugnadas. Saliente-se que, por exemplo, as contraordenações e deliberação tomadas pela ERC contra jornalistas e órgãos de comunicação social são publicadas na íntegra, independentemente de eventuais impugnações. Somente por decisão judicial podem aqueles ser anuladas.
Este “apagão” promovido pela CCPJ acaba, porém, por transmitir uma falsidade, involuntária ou intencional. No documento original, com referências aos processos de Domingos de Andrade e de Maria Moreira Rato, havia a indicação da aplicação de duas coimas e dois arquivamentos por pagamento voluntário de coima ao longo de 2022; agora, o regulador presidido por Licínia Girão – e que integra outros oito jornalistas – transmite uma mentira, porque somente destaca a existência de dois arquivamentos por pagamento voluntário da coima.
O PÁGINA UM contactou a CCPJ para conhecer os motivos da retirada da informação pública sobre a multa aplicada a Domingos de Andrade, e quem ordenou o expurgo, mas, por agora, só houve a seguinte resposta lacónica: “Agradecemos o seu e-mail, cujo conteúdo receberá a nossa melhor atenção.”
Apesar da escassez de informação e do (já habitual) secretismo e obscurantismo da CCPJ, o PÁGINA UM sabe que este processo instaurado contra Domingos de Andrade está relacionado com o regime de incompatibilidades do Estatuto do Jornalista – uma lei de 1999 – que impede os jornalistas de exercerem “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”. A preparação, assinatura e execução de contratos comerciais constitui, sem margem para dúvidas, funções de “planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.
Em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM começou por detectar dois contratos comerciais assinados por Domingos de Andrade como administrador da Global Media, designadamente com a Câmara Municipal de Valongo (para a produção de reportagens, no valor de 74.000 euros) e com a Comunidade Intermunicipal da Beira Alta (para aquisição de serviços de publicidade e divulgação turística para o período do Verão de 2021, no valor de 25.000 euros). Domingos de Andrade não estava, como administrador, impedido de assinar contratos, mas deveria ter suspendido a sua carteira profissional, além de as suas funções de direcção editorial ficarem assim feridas do ponto de vista deontológico.
Mesmo depois de a CCPJ, então ainda presidida pela jornalista do Público, Leonete Botelho, ter levantado um “processo de questionamento” a Domingos de Andrade, o multifacetado jornalista-gerente ainda assinou novo contrato comercial.
Em Julho do ano passado, o Correio da Manhã ainda divulgou uma alegada intenção da CCPJ, presidida por Licínia Girão, em não renovar a carteira profissional de jornalista a Domingos de Andrade. Essa intenção jamais se concretizou. Hoje, o director da TSF e de mais duas rádios consegue manter-se como jornalista (com a carteira profissional 1723) e a gerir oito empresas da Global Notícias. Apenas deixou de assinar os contratos, pelo menos com entidade públicas, conforme consulta no Portal Base.
Para a CCPJ, aparentemente, o caso ficaria bem encerrado a troco de 1.000 euros de multa, com 40% do montante a reverter para este órgão, mesmo se, discretamente – apenas com o cuidado de não apor a sua assinatura em contratos –, este jornalista continua a dirigir outros jornalistas enquanto em simultâneo negoceia e participa na execução de parcerias comerciais com entidades públicas e privadas.
Com o seu recurso ao Tribunal Administrativo, Domingos de Andrade mostra que acha que nem uma singela multa merece a sua atitude de promiscuidade entre jornalismo e marketing.