Correio Trivial

A política do ódio

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por Vítor Ilharco // Abril 29, 2023


Categoria: Opinião

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Não há nada que melhor prove a nossa falta de cultura política do que o tempo gasto em debates, notícias, críticas e análises com a intenção de se tentar perceber, e derrubar, a política de ódio levada a cabo pelos partidos de extrema-direita.

Falso problema e anormal dispêndio de energias.

Estes partidos surgem com a ideia única de arregimentar, para o seu seio, os derrotados da vida, seja por menor capacidade intelectual, por falta de estudos ou, simplesmente, por quererem viver à margem da sociedade.

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Todos conhecemos gente assim.

Cidadãos que abandonaram a escola por preguiça, ou por terem compreendido que não conseguiriam os resultados mínimos para terminar um curso, que recusam trabalhar, porque se consideram demasiado competentes para salários tão baixos, que não aceitam sugestões e, menos ainda, conselhos, porque se consideram especialistas em todas as matérias.

Gente que, apesar de tudo, não tem qualquer escrúpulo em criticar quem estuda e faz.

Mais, que não tem qualquer pejo em arrasar, sempre em tom depreciativo, qualquer estudo, qualquer lei, qualquer obra.

Essa cáfila de camelos é um maná para a extrema-direita.

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Miguel Unamuno ensinava que “o que os fascistas odeiam, acima de tudo, é a inteligência”.

Ao escutarmos as intervenções dos deputados desses partidos, na Assembleia da República, percebemos que não hesitam em se rebaixarem ao nível dos medíocres que enxameiam o país, fazendo apelo aos seus mais baixos instintos, com o único intuito de conseguirem o seu voto.

Falam de justiça (com j pequeno) e sabemos que são defensores da justiça popular, com julgamentos na rua, com condenações por “ouvir dizer”, sem a mínima preocupação com os regras de um qualquer Estado de Direito.

O líder parlamentar de um desses partidos garantiu, em Plenário da Assembleia da República, que os presos “deviam apodrecer nas cadeias”.

O presidente do mesmo partido, não se preocupou em garantir, num debate eleitoral, que a alguns [que roubassem] não faria mal se lhes cortassem as mãos.

E disse isso uns meses depois de garantir: “Sinto que Deus me concedeu esta missão”.

Não faço ideia de como se sentirão quando vêem o Papa, na altura da Quaresma, de joelhos, a lavar os pés a doze reclusos.

Não a doze padres, não a doze deputados, mas a doze presos!

O historiador, e conhecido palestrante brasileiro, Leandro Kamal diz que discurso de ódio em nome de Deus é a suprema elaboração do mal”.

E é, sem dúvida!

Mas… resulta. Pelo menos na fase de reunir seguidores.

André Ventura, presidente do Partido Chega

Custa ver, num país que lutou contra uma ditadura de 48 anos, uma franja importante de cidadãos a apoiar este tipo de populismo.

Dói perceber que um discurso, que tem como base o ódio, no seu grau mais elevado e primário, consegue arregimentar centenas de milhares de pessoas.

Entre elas, vizinhos, colegas de trabalho, ex-companheiros de escola.

Como entender que se siga quem tem como ideologia a destruição do Estado de Direito, como discurso político o palavreado de qualquer bêbedo numa taberna mal frequentada, como pensamento político as certezas de um taxista analfabeto?

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O que leva tanta gente a elogiar alguém que, em todas, rigorosamente todas, as intervenções, ao longo dos anos, se limita a gritar impropérios, destilar ódio, apontar erros e falhas, sempre num tom de pretensa superioridade intelectual e moral?

Eles querem ser, mais do que o top da raça ariana, candidatos a canonização.

Sentem-se puros, isentos de erro e pecado, gente superior e exemplar.

O que lhes permite criticar, sem limites, com ar professoral e ditatorial, quem ousar contestar qualquer uma das suas afirmações.

Ao fim e ao cabo, gastam mal a sua inteligência (porque alguns a têm) na crítica a erros enormes, gravíssimos, dos adversários políticos que eles vêem como inimigos.

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A maioria do povo não aceita isso de bom grado.

E perde-se uma boa oportunidade de mudar para melhor.

A política do ódio já foi experimentada em inúmeros países, sempre com mau resultado para quem a segue.

William Shakespeare ensinou o porquê desse desfecho comum numa simples frase: “A raiva é um veneno que bebemos esperando que os outros morram”.

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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