A demissão pela Fox News de um dos mais populares e influentes pivots norte-americanos, sobretudo da ala direita, apanhou o público de surpresa. Fervoroso apoiante de Donald Trump, Tucker Carlson apresentava desde 2016 um programa líder de audiências. Um “alvo a abater” pela ala democrata, Carlson esteve particularmente activo nas críticas à gestão da pandemia. Os Twitter Files revelaram entretanto que também ele foi alvo de censura mesmo quando fez referências correctas usando informação da Organização Mundial de Saúde, que as alterou para que as redes sociais lhe colocassem o selo de misinformation.
Tucker Carlson é o homem do momento nos Estados Unidos. Depois de ter sido demitido pela Fox News – uma semana após a cadeia televisiva de Rupert Murdoch ter estabelecido um acordo de indemnização da ordem dos 787 milhões de dólares à Dominion Voting Systems para suspender um processo por difamação que envolvia acusações de fraude no processo eleitoral –, o apresentador norte-americano fez uma aparição no Twitter, lançando farpas contra aqueles que o querem silenciar. Conseguiu, até agora, mais de 79 milhões de visualizações.
Mas, ironicamente, o Twitter foi uma das redes sociais que, durante a pandemia, e apesar da popularidade de Carlson junto da ala mais conservadora dos Estados Unidos, o censurou, através de um processo no mínimo rocambolesco.
De acordo com mais uma série dos Twitter Files, divulgada na passada quinta-feira pelo jornalista Paul D. Thacker, houve um artigo de opinião de Tucker Carlson que lançou imensa preocupação nos estrategas da gestão da pandemia. Em 23 Junho de 2021, Carlson, que só no Twitter tem quase sete milhões de seguidores, alertava para os riscos da vacinação contra a covid-19 nas crianças.
Sob um título acutilante – “A vacina contra a covid-19 é perigosa para crianças e a Big Tech não quer que saiba disso” –, o pivot norte-americano consubstanciava a sua posição em directrizes que então constavam explicitamente do site oficial da Organização Mundial de Saúde (OMS). Nessa altura, a OMS afirmava que as crianças não deviam ser vacinadas contra a covid-19 por ainda não existirem evidências suficientes de segurança para este grupo etário.
Nessa intervenção, Carlson era extremamente crítico para com as as Big Tech: “Por mais de um ano, os monopólios tecnológicos de Silicon Valley usaram as declarações oficiais da OMS para determinar o que os consumidores norte-americanos de notícias podem saber – e o que devem ser proibidos de saber – sobre a covid-19. O Facebook até anunciou uma parceria formal com a OMS para ‘levar informações atualizadas e precisas a milhões de pessoas’. Essa parceria – entre uma ONG controlada pela China e as plataformas de tecnologia dependentes da China – continuou sem problemas até poucos dias. Foi quando os burocratas da OMS publicaram novas orientações sobre vacinas. Aqui está o que diz: crianças não devem tomar a vacina contra o coronavírus. Porquê? Esses fármacos são muito perigosos. Não há dados suficientes para entender os efeitos a longo prazo ou para mostrar que os benefícios valem o risco que trazem. Esta é uma notícia terrível, claro, para a indústria farmacêutica. A Big Pharma planeia testar a vacina em crianças de seis meses. É profundamente embaraçoso para grande parte da media, que parou de criar histeria sobre espiões russos para vender vacinas aos seus telespectadores. E, acima de tudo, é um repúdio chocante às autoridades [establishment] norte-americanas, que têm pressionado incansavelmente a vacinação universal, inclusive em crianças. O principal conselheiro da pandemia de [Joe] Biden, Zeke Emanuel, declarou que os jovens deveriam ser obrigados a tomar a vacina.”
Carlson continuava a atacar as redes sociais, como o Facebook, por censurarem mesmo informações verídicas, se questionassem a eficácia e benefícios das vacinas contra a covid-19. “Você não tem permissão para sugerir o contrário. Não importa quais dados possa ter. Não importa quais dados possa ter, não importa o que uma organização de saúde possa lhe dizer.”, concluía o apresentador.
Perante a dimensão pública das palavras de Tucker Carlson, a OMS reagiu rapidamente. Segundo o jornalista Paul D. Thacker, “a OMS editou furtivamente a sua página sobre as vacinas contra a covid-19 para remover a linguagem que Tucker citara no seu artigo”.
Depois, “no dia seguinte, funcionários do Twitter começaram a discutir o artigo de Tucker e a forma de limitar o seu impacte sem chamar a atenção para Tucker e sem criar ‘riscos políticos’ para o Twitter por estar a censurar diretamente a Fox News.”
Ou seja, segundo Paul D. Thacker, “a OMS auto-censurou-se sobre as vacinas para ajudar o Twitter a censurar Tucker Carlson”.
Certo é que os e-mails internos da rede social agora controlada por Elon Musk mostram que os seus funcionários congeminaram uma estratégia para censurar o artigo de Carlson logo no dia seguinte à sua publicação. Se “os links para este artigo de opinião de Tucker Carlson, uma figura televisiva proeminente, violam a nossa política de informações enganadoras sobre a covid-19”, é a dúvida que uma executiva coloca à equipa.
Esta tarefa era, contudo, espinhosa. Por exemplo, um destacado funcionário do Twitter, Brian Clarke, defendeu então que agir, censurando, sobre o endereço do artigo do então apresentador da Fox News poderia ter um efeito contraproducente, porque Tucker Carlson falava precisamente sobre “a censura das grandes tecnológicas”.
O Twitter acabou por optar pela classificação como desinformação se houvesse partilhas em que se reforçasse a opinião de Tucker Carlson.
Um dos aspectos também relevantes desta nova revelação de Paul D. Thacker tem a ver com a promiscuidade entre política, negócios e redes sociais quando o assunto era a vacina contra a covid-19. O jornalista salienta que a funcionária do Twitter que primeiro alertou para o “perigo” do artigo de opinião de Tucker foi Elizabeth Busby, que ocupara o cargo de vice-secretária de imprensa nacional do líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, um crítico frequente de Tucker Carlson.
Tendo ingressado no Twitter em 2020, Busby trabalhara antes para a SKDK, uma agência de relações públicas e de lobby estreitamente alinhada com o Partido Democrata.
Leia aqui toda a cobertura dos “Twitter Files” feita pelo PÁGINA UM.