Sente-se a podridão no ar, nojenta, exalando odores. A falta de ética transforma uma sociedade numa lixeira, num salve-se quem puder, em benefício de quem tiver artimanhas, e não arte. Vence o espertalhaço, não o inteligente. Vence o canastrão, não o artesão.
E essa podridão, insidiosa e mesquinha, que forma e deforma uma sociedade, vê-se até ao jogo de berlindes, até num campeonato distrital de futsal, nome pomposo para o futebol de salão, onde este fim-de-semana a aldrabice espetou uma “cabazada” à decência.
A história conta-se em breves palavras. Em igualdade pontual com o Vitória de Santarém, a equipa do Mação Futebol Clube partia com uma desvantagem de 33 golos para a última jornada. E como esperado, ambas as equipas venceram os respectivos jogos, mas enquanto o Vitória de Santarém superou o seu adversário por uns escassos 7-5, o Mação massacrou o seu adversário, Benavente, por 60-sessenta-60 golos sem resposta, o que significa um golo em cada 90 segundos. Resultado: o Mação Futebol Clube foi campeão.
Dois pormenores, relevantes. Primeiro, o Benavente jogou apenas com três jogadores – mínimo regulamentar – face aos cinco do Mação. Segundo, mesmo sabendo-se que o Mação não conseguira antes mais do que sete golos de vantagem numa partida, sendo assim mais do que remota a probabilidade de ultrapassar o Vitória de Santarém em caso de vitórias destas duas equipas –, houve quem se lembrou de estampar coloridas camisolas de campeão.
O Mação Futebol Clube – e em paralelo a equipa de Benavente (que nos 19 jogos anteriores sofrera 68 golos) – é a imagem trágica de um país. A imagem de um país sem ética, consolidando os seus objectivos em trapaças, custe o que custar; em esquemas, aqueles que a imaginação aprouver mesmo se fraca; em compadrios, mais que muitos; em manipulações, as que forem necessárias; em corrupção, se não financeira, pelo menos moral, para quem assim se seduzir sem escrúpulo.
Independentemente das provas, estamos perante uma pouca-vergonha, uma desavergonhice, que seria apenas risível se não fosse grave, por ser o espelho daquilo em que se transformou Portugal.
Hoje, sentimos – todos sentem, e os “responsáveis” pelo Mação Futebol Clube sentiram – que, mesmo com trafulhice, mesmo com manipulação, mesmo com aldrabice e mesmo com esquemas ínvios, vale a pena tentar, é justificável tentar, porque basta congeminar ser possível iludir a verdade para que se tente que a mentira se transmute na realidade, proveitosa para o seu autor, mesmo que tal seja profundamente injusto e prejudique quem não deveria.
Caricaturando a paráfrase de Fernando Pessoa, em Portugal, num país de aldrabões, a obra nasce, quando o homem sonha, mesmo se Deus não quer. E assim se ganha por 60 a 0, com a mesma decência da vitória do Mação Futebol Clube sobre o Benavente Futsal Clube.
E assim se sente a desonestidade na política, no Governo, na Administração Pública, nas escolas, nas forças armadas, nas forças de segurança, nas empresas públicas e nas empresas provadas, em muitas das nossas relações sociais. Em tudo, já.
Portugal pode continuar a gabar-se de ganhar sempre na recta final por 60-0, sermos os melhores de tudo e da Cantareira; pode sempre erguer-se a taça, que de ouro seja. Mas no seu âmago está lá dentro uma pestilência que não se aguenta.