Compra de vacinas contra a covid-19

Ministério da Saúde mentiu ao tribunal: disse que não tinha contratos; afinal há 14

selective focus photography of Pinocchio puppet

por Pedro Almeida Vieira // Maio 8, 2023


Categoria: Exame

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Ao Tribunal Administrativo de Lisboa, em Janeiro passado, o Ministério de Manuel Pizarro jurou que não havia contratos de compra das vacinas contra a covid-19, que tudo fora negociado pela Comissão von der Leyen. Hoje, cerca de quatro meses depois, ao jornal Público, o Ministério da Saúde informa que afinal celebrou 14 contratos com seis farmacêuticas. O processo de intimação, ainda em análise, envolve também manipulação do Portal Base, onde quatro contratos estiveram durante dois anos online, mas foram suprimidos. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.


O Ministério da Saúde garantiu ao jornal Público que “entre 2020 e este ano Portugal celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas e que foram entregues cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses [de vacinas contra a covid-19] encomendadas e adquiridas para o período até 2023”, de acordo com a notícia de manchete da edição de hoje.

A assumpção da existência de 14 contratos, assinados pela Administração Pública, constitui assim uma confissão de ter o Ministério da Saúde mentido ao Tribunal Administrativo de Lisboa no âmbito da intimação do PÁGINA UM apresentada no último dia do ano passado.  

Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

No decurso dessa intimação, ainda em análise judicial – em que o PÁGINA UM pretende ter acesso aos contratos assinados por entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, bem como as guias de transporte e comunicações com as farmacêuticas –, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam sequer contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.

Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como nas alegações ao processo de intimação, o Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.

E no ponto 13 dessa alegações, na página 4, o Ministério da Saúde é taxativo: “Tudo isto para concluir que este Ministério da Saúde não possui os documentos solicitados [negrito no original] sendo certo que cada entidade requerida [de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos] só tem de facultar informação ou documentação que detenha ou possua”.

Com a informação transmitida agora ao jornal Público, cai assim por terra esse argumento, ou seja, o Ministério da Saúde mentiu a uma instância judicial.

Ao Tribunal Administrativo de Lisboa, o Ministério da Saúde garante que não tem contratos. Cerca de quatro meses depois, ao Público, o Ministério da Saúde diz que celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas contra a covid-19.

Aliás, conforme o PÁGINA UM também já tinha destacado, durante cerca de dois anos, chegaram a constar quatro contratos no Portal Base de compra de vacinas contra a covid-19, todos assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se, contudo, já guardados no servidor do PÁGINA UM.

Porém, estes quatro contratos – que abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo – foram apagados do Portal Base em Janeiro passado, poucos dias após a interposição na intimação pelo PÁGINA UM, sendo substituídos por folhas em branco.

O Ministério da Saúde pretendeu assim manipular a juíza do processo, fazendo crer que estavam em causa documentos confidenciais, algo que não encontra respaldo na legislação de contratação pública.

O Ministério da Saúde tem, no âmbito dos contratos das vacinas contra a covid-19, cultivado uma postura de absoluto obscurantismo e manipulação.

Recorde-se que se ignoram ainda os custos totais dos contratos são ainda desconhecidos, mas as contas ainda não estão fechadas. Ao nível da União Europeia apenas foram administradas cerca de 60% das vacinas contratualizadas pela Comissão von der Leyen no ano de 2020, o que significa que poderão ter de ser pagas muitos milhões de doses que nunca serão utilizadas, numa altura em que a procura pelos cidadãos é extremamente escassa.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, negociou contratos com cláusulas de confidencialidade que podem ser ilegais e redundar em compras supérfluas. O obscurantismo da Comissão Europeia alastra até Portugal.

A postura do Ministério da Saúde perante o Tribunal, não respondendo sequer às solicitações da juíza do processo, Telma Nogueira, a par da manipulação do Portal Base, levou mesmo o PÁGINA UM a apresentar uma queixa por litigância de má-fé.

De acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.


N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

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