organizadores procuram 60 mil assinaturas

Petição quer referendo sobre adesão portuguesa ao novo Tratado Pandémico

black megaphone pendant

por Maria Afonso Peixoto // Maio 9, 2023


Categoria: Exame

minuto/s restantes

Depois da covid-19, muitos Governos e a Organização Mundial de Saúde (OMS), e também outras organizações, algumas com ligações ao lucrativo sector farmacêutico, consideram fundamental um acordo internacional que agilize a implementação de medidas globais de saúde pública. Mas há quem veja no previsto Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias uma janela de oportunidades para impor restrições de direitos em países democráticos. Uma petição, lançada na semana passada, está a tentar obter 60 mil assinaturas para a realização de um referendo por iniciativa popular. Além de questionar a aceitação de um tratado nos moldes conhecidos, o documento que acompanha a petição coloca mesmo em causa a manutenção de Portugal no seio da OMS, se este organismo não garantir a sua independência.


Deve Portugal manter-se como membro da Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto esta agência subordinada às Nações Unidas arrecadar a maioria do seu financiamento através de fundações e entidades privadas? Esta é uma das três questões que uma petição, lançada na passada quarta-feira pela médica-dentista Marta Gameiro, pretende levar a referendo.

De acordo com a lei, um referendo por iniciativa popular necessita de juntar 60 mil assinaturas num prazo máximo de seis meses, mas a última palavra cabe sempre aos deputados na Assembleia da República. Até esta tarde, a petição contava ainda com apenas 668 assinaturas.

Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS.

Ao PÁGINA UM, Marta Gameiro, dinamizadora da petição e autora do texto enquadrador intitulado “Referendo pela autodeterminação em Saúde – Portugal e a OMS”, defende que o principal objectivo é a “promoção de um debate“, admitindo porém que pôr em causa a permanência de Portugal na OMS “foi um risco“.

A petição, segundo Marta Gameiro, servirá sobretudo para “auscultar” a opinião dos portugueses sobre o controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias – que, a avançar, será juridicamente vinculativo para os 194 Estados-membros integrantes da OMS–, bem como sobre as alterações que poderão ser feitas ao Regulamento Sanitário Internacional.

Os críticos deste novo Tratado salientam que, a ser aprovado, concederá poderes ilimitados à OMS, que não é uma entidade com responsáveis eleitos democraticamente, e que, em caso de nova pandemia, podem ultrapassar as directrizes dos Governos e até as Constituições dos países.

person behind mesh fence

Além disso, está prevista a introdução de cerca de três centenas de alterações ao Regulamento Sanitário Internacional, incluindo a suspensão de direitos humanos em situações de crise de Saúde Pública. Em suma, com estes normativos globais, fica ainda mais limitada a capacidade de os países tomarem decisões de forma autónoma numa futura emergência de saúde pública, e ainda mais a forma dos cidadãos se defenderem contra medidas discricionárias que afectem direitos humanos.

Marta Gameiro considera ser fundamental que discutam estas questões. “Aquilo que está em jogo é a possibilidade de uma elite tomar conta de uma organização que supostamente é independente“, salienta, fazendo alusão às ligações da OMS ao sector farmacêutico e a fundações privadas com interesses comerciais.

Apesar destes receios, o director-geral da OMS, Tedros Adhanom, garantiu em 17 de Março passado, numa conferência de impresa, que as propostas em estudo jamais eliminarão a soberania dos países em caso de nova pandemia.

woman in black shirt wearing black sunglasses
Na pandemia de covid-19, cientistas de topo que se opunham às posições da OMS foram censurados e perseguidos.

“É essencial enfatizar que este acordo está a ser negociado por países, para países, e será adotado e implementado pelos países, de acordo com suas próprias leis nacionais”, enfatizou o antigo ministro da Saúde e dos Negócios Estrangeiros da Etiópia, acrescentando que “a afirmação de alguns de que este acordo constitui uma violação da soberania nacional é manifestamente errada”. “Os países, e só os países, decidirão o que está no acordo, não o pessoal da OMS”, concluiu.

Em todo o caso, os receios de perda de soberania e suspensão de direitos humanos em caso de novas pandemias mantêm-se. No texto da petição dinamizada por Marta Gameiro considera-se que a OMS “está a promover um tratado pandémico e alterações ao Regulamento Sanitário Internacional existente, para aumentar o seu poder durante as emergências sanitárias”. Adianta ainda que “estas propostas também alargam o âmbito das emergências de modo a incluir danos potenciais em vez de danos reais”, além de sugerir “uma definição de ‘One Health’ que engloba qualquer ocorrência na biosfera que possa ter impacto no bem-estar humano”.

Por outro lado, também se critica o excessivo “poder de decisão [que] será colocado nas mãos de uma única pessoa, o director-geral da OMS”, receando-se que a intenção também seja “a de suprimir e censurar as vozes daqueles que questionam os ditames do director-geral“.

Marta Gameiro, autora da petição foi também organizadora do Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima em Outubro do ano passado.

Recorde-se que Marta Gameiro é também a promotora de uma outra petição similar, mas que não questionava a adesão portuguesa à OMS, tendo agregado 7.317 assinaturas. Esta petição foi já abordada, numa primeira fase, em audição da Comissão de Saúde da Assembleia da República no passado dia 16 de Fevereiro.

A comissão parlamentar responsável pela apreciação daquela iniciativa ainda não concluiu o processo, e todo o processo tem sido tratado com fraca relevância pelos deputados dos diversos partidos. Esta petição, aliás, nem sequer tem marcado agendamento previsto em plenário.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.