A Tomada de Posse dos novos elementos do Conselho Superior da Magistratura teve um momento inesperado.
O novo Vice-Presidente, Conselheiro Luís Azevedo Mendes, garantiu que iria interditar todos os Tribunais que não reunissem as condições para funcionar.
Pensei, de imediato, em mudar de profissão.
Montaria uma empresa de taipais, contrataria uns milhares de funcionários e, dentro de poucos meses, estaria rico.
É só imaginar o número de janelas e portas de tribunais que haveria a tapar ao longo do País!
Não sei, mesmo, se algum continuaria aberto, se levadas a sério as intenções do novo Vice-Presidente.
Com a continuação do discurso percebi que o senhor Conselheiro se referia, somente, à falta de condições físicas, equipamentos e meios de trabalho dos tribunais, deixando de lado o que se refere à competência de magistrados, funcionários e outros profissionais que os enchem diariamente.
Reduzindo desse modo, substancialmente, o número de potenciais encerramentos.
Ainda assim, talvez se justificasse o investimento necessário à abertura da tal empresa.
Até porque esta exigência, do Senhor Conselheiro, poderia fazer escola e levar a que responsáveis de outras áreas, igualmente carenciadas, lhe seguissem o exemplo.
Imaginemos o encarregado da Saúde a percorrer hospitais e postos médicos do país. Quantos consideraria ele que reuniriam as condições necessárias, em espaços físicos e equipamentos, para continuarem abertos?
E o da Educação, que ideia faria das falhas nas escolas e liceus deste país?
O responsável da Segurança Social, fará ele a mais pequena ideia do que se passa nos lares de idosos, explorados (e nunca uma palavra foi tão bem aplicada) por gente a quem só o lucro interessa?
Saberá ele das condições, à margem da Lei, em que vivem os nossos “mais velhos”, muitos deles depois de dezenas de anos de trabalho intenso?
Se em todas as áreas fossem seguidas as pretensões que o Senhor Conselheiro tem em relação a alguns tribunais, as cidades portuguesas passariam a ter dezenas de edifícios encerrados, a sete chaves, por falta de condições.
Não querendo sair da área da Justiça, poderíamos pedir, ao Senhor Conselheiro, que fizesse idênticos reparos e exigências, às falhas físicas e equipamentos noutras casas ligadas ao sector, embora não frequentadas pelo Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura.
Desde logo, as esquadras policiais e postos da GNR.
Saberá como trabalham estes homens?
Como são os espaços físicos que ocupam, os equipamentos e viaturas que utilizam.
Algum vez, mesmo na campanha eleitoral (que, parece, foi o momento em que detectou os problemas nos tribunais), entrou nos espaços destinados a agentes e militares que ali têm que pernoitar.
E as prisões?
Visitou alguma?
Sabe como vivem os cidadãos em reclusão?
Acreditará que, na prisão da capital (o Estabelecimento Prisional de Lisboa), situado numa zona nobre da cidade, ao cimo do Parque Eduardo VII e ao lado de um dos Tribunais mais concorridos do País, há reclusos que vivem em celas sem vidros, com os fios eléctricos descarnados, com a água a escorrer pelas paredes, com um buraco ao fundo da cama, no lugar onde antes havia uma sanita, e que o recluso tem que tapar, de noite, com uma garrafa de água, para as ratazanas não entrarem, por ali, no seu espaço?
Mesmo os que pensam que os reclusos devem ser tratados como cidadãos de segunda não deixarão de reconhecer que as prisões em Portugal estão ao nível da época medieval.
Compreendo que o Senhor Conselheiro queira tribunais mais eficazes mas, para tal, deveria ter ido mais longe e exigir aquilo que realmente seria importante. Que, para além da melhoria de equipamentos e instalações se exigisse uma selecção mais rigorosa para magistrados e funcionários judiciais.
Para que tal pudesse acontecer, como é lógico, haveria que melhorar, em primeiro lugar, o nível de quem nos dirige.
A começar pelo Governo, claro.
Tarefa difícil atendendo às alternativas.
Ainda se pudéssemos fazer como os responsáveis das equipas de futebol, quando sentem a necessidade de as melhorar, e ir buscar alguns Ministros e Secretários de Estado, já não digo a países como a Inglaterra ou à Alemanha, mas mesmo à Serra Leoa ou ao Burkina Faso…
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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