Título
70072: A menina que não sabia odiar
Autora
LIDIA MASKSYMOWICZ (tradução: Ivan Figueiras)
Editora (Edição)
Porto Editora (Janeiro de 2023)
Cotação
12/20
Recensão
As histórias sobre o Holocausto, narradas através da tela do cinema ou em livros, são inúmeras. Esta, é sobre Lidia Maksymowicz, uma sobrevivente dos campos de concentração nazis que foi levada para Auschwitz-Birkenau com apenas três anos e de onde só saiu treze meses depois, em Janeiro de 1945. Dizem os historiadores que foi a criança que passou mais tempo em Birkenau. Durante esse tenebroso período, foi uma das 'cobaias' de Josef Mengele para as suas experiências médicas, que incluíam a administração de vacinas a pedido de empresas farmacêuticas.
Lidia não era judia (actualmente é católica); nasceu na Bielorrúsia, filha de guerrilheiros da resistência. O seu pai não acabou nos campos de concentração; é forçado a juntar-se ao Exército Soviético, separando-se do resto da família – Lidia, a mãe Anna e os avós – antes de estes serem capturados e deportados pelos alemães.
Esta obra, prefaciada pelo Papa Francisco, é inspirada no documentário 70072: La bambina che non sapeva odiare, feito pela associação La Memoria Viva. Os números 70072 são aqueles que Lidia tem tatuados no seu braço, uma marca em si deixada pelo regime nazi. Tal como a terrível experiência que viveu estará para sempre gravada na sua mente, os dígitos que a identificavam em Birkenau permanecem ainda, indeléveis, na sua carne. A tatuagem foi beijada pelo Papa Francisco, a 26 de Maio de 2021.
Como Lidia admite, as recordações que guarda da passagem pelos campos não são muitas – não obstante que, entre as poucas que tem, algumas sejam bem vívidas. Outras, ainda, não está certa se serão, de facto, memórias do que viveu ou se são construções que a sua mente foi edificando com o tempo, com base no que, já depois de ter sido libertada, foi escutando, lendo ou vendo e absorvendo sobre o que era o dia-a-dia dos prisioneiros.
A história de Lidia, pode dizer-se, é daquelas que termina com “um final feliz”. Para além de ter conseguido escapar com vida da barbárie por que passou, foi adoptada, depois da libertação pelo Exército Vermelho, por uma mulher polaca, Bronislawa. Recomeçou a sua vida na Polónia, com a sua família adoptiva, na província de Oświęcim – lugar onde permanece até hoje, e que passou a considerar a sua casa.
Também a sua mãe biológica sobreviveu aos campos nazis, e as duas reencontraram-se, finalmente, em 1961, já 17 anos após terem sido separadas em Birkenau. Este emotivo reencontro, que teve lugar em Moscovo, foi alvo de intensa cobertura mediática na altura, tanto pela comunicação social soviética como polaca. Como Lidia explica, representou um dia que o regime soviético queria que fosse “histórico” e gritado aos sete ventos, para transmitir a imagem de que a União Soviética se preocupava com os filhos da sua terra.
70072 – A menina que não sabia odiar é um testemunho bonito de uma história que merece indubitavelmente ser contada, mas que acaba por ser apenas mais uma no meio de milhentas que já existem sobre Segunda Guerra Mundial. Não consegue ser particularmente impactante, e o leitor fica com a sensação de que o relato se sustenta mais nos factos que já são do senso comum – e que já foram repetidos múltiplas vezes ao longo das últimas décadas – do que nas memórias individuais e singulares desta sobrevivente em específico. Acaba por ter, por isso, um tom um pouco superficial e “fabricado”, carecendo de profundidade e sendo abundante em lugares-comuns.
O momento mais comovente do livro é, então, aquele que se centra na reaproximação, após quase duas décadas de afastamento, de Lidia com a sua mãe biológica. As emoções contraditórias e humanas que envolvem este “retorno” improvável (e milagroso) da filha aos braços da mãe – já como uma mulher adulta e casada, e não como a criança que era –, conferem "cor" e intensidade à narrativa, que de outra forma não teria.