Lixo SERÁ DESTINO MAIS PROVÁVEL DE DEZENAS DE MILHÕES DE DOSES

Factura das vacinas contra a covid-19 já vai em 877 milhões de euros, mas nem chegou ainda a metade

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por Pedro Almeida Vieira // Maio 15, 2023


Categoria: Exame

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O secretismo tem sido a base do negócio das vacinas contra a covid-19. Contratos com claúsulas confidenciais, assumidas pela Comissão von der Leyen, custos unitários e totais escondidos pelos Governos, e cada vez mais lotes a serem deitados para o lixo por perda de validade. Mas agora que a pandemia foi dada como “extinta” pela Organização Mundial da Saúde, estando agora a covid-19 em fase endémica, os negócios chorudos das farmacêuticas anunciam-se ruinosas para as contas públicas na área da Saúde. Desde 2020, o Governo português já autorizou, através de Resoluções de Conselho de Ministros, gastos de quase 877 milhões de euros para a compra de 40 milhões de doses. Mas, pelas contas do PÁGINA UM, terá de pagar mais 66 milhões de doses, atendendo ao número estimado para Portugal nos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), feitos em nome dos Estados-membros pela Comissão Europeia.


Portugal já gastou quase 877 milhões de euros com o processo de vacinação contra a covid-19, mas a factura total deverá superar os 1,6 mil milhões de euros, independentemente de as doses virem a ser administradas.

Embora o Governo queira manter secretos os contratos assinados com as farmacêuticas – estando uma intimação a correr uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, por iniciativa do PÁGINA UM –, as diversas Resoluções de Conselho de Ministros, a última de 15 de Dezembro do ano passado, desvendam já um pouco do véu sobre os sumptuosos gastos para uma operação vacinal sem precedentes, mas que foi perdendo gás nos últimos meses.

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Na última semana com dados disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde, entre 15 e 21 de Abril, foram apenas vacinadas 187 pessoas por dia. Na época de Inverno de 2022-2023 apenas se vacinaram cerca de 30% da população total, mas apenas 1% dos menores de 50 anos decidiu tomar a dose de reforço.  

Com o final do período de emergência da pandemia, recentemente decretado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), será previsível que a administração das vacinas se circunscreva à população mais vulnerável – os maiores de 65 anos e/ ou pessoas com comorbilidades, tal como sucede com a vacina da gripe –, mas as compras terão de se manter por força dos acordos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas.

Ainda antes da aprovação de qualquer vacina, a Comissão Europeia, através de acordos específicos – os denominados Advance Purchase Agreements (APAs) – negociou contratos com cláusulas confidenciais, embora se saiba que foram assumidas compras de até 4,6 mil milhões de doses de vacinas a um custo total estimado próximo de 71 mil milhões de euros, de acordo com o Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu. Ou seja, um custo médio de 15,4 euros.

Ursula von der Leyen estabeleceu acordos secretos e principescos para as farmacêuticas.

Mesmo estando os compromissos assumidos pelo Governo português através da Comissão von der Leyen ainda no segredo dos deuses, como a população do nosso país representa 2,3% da população da União Europeia, a Direcção-Geral da Saúde deverá ter de adquirir um total de cerca de 106 milhões de doses.

Ora, de acordo com informações transmitidas pelo Ministério da Saúde ao jornal Público, entre 2020 e este ano, as farmacêuticas – sobretudo a Pfizer e a Moderna – entregaram apenas cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses encomendadas e adquiridas para o período até 2023.

Deste modo, Portugal terá ainda de encomendar um pouco mais de 44 milhões de doses, mesmo se não tiver população suficiente a querer vacinas antes daquelas perderem a validade.

Seja como for, e apesar do Governo, ao arrepio de um Estado democrático, esconder intencionalmente os contratos e os compromissos financeiros com as farmacêuticas, sabe-se que, até agora, e pela consulta das diversas Resoluções de Conselho de Ministros, o Governo consignou para a compra de vacinas e aquisição de consumíveis (agulhas, seringas e solventes) um total de 876.892.973 euros.

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Ainda durante o ano de 2020, o Governo de António Costa disponibilizou uma verba de 215,5 milhões de euros, através de três diplomas. Ao longo de 2021 foram aprovados pelo Governo mais dois reforços muito substanciais – o primeiro de cerca de 241,5 milhões de euros e o segundo de um pouco mais de 291 milhões de euros.

Por fim, no ano passado, houve mais dois reforços que totalizaram os 128,4 milhões de euros. Estes montantes não incluem os gastos que muitas autarquias tiveram com arrendamento de espaço e contratação de pessoal de enfermagem para os centros de vacinação.

Mas há ainda mais incógnitas: não se sabe quantos dos 877 milhões de euros consignados para o programa vacinal se destinaram especificamente para a compra das vacinas, e se somente estarão pagas as 40 milhões de doses entregues ou também as 21,7 milhões de doses já encomendadas mas não entregues.

Governo já consignou 877 milhões de euros para o programa vacinal contra a covid-19. Ainda vai ter de gastar muito mais mesmo que não haja procura dos portugueses por mais vacinas.

Contudo, certo é que, confirmando-se que Portugal terá de adquirir o equivalente a 2,3% das doses assumidas pela Comissão von der Leyen, proporcional à população comunitária, o custo apenas das vacinas contra a covid-19 deverá ascender aos 1,6 mil milhões de euros. Ou seja, tanto quanto o Governo já autorizou gastar, até agora, na execução do programa vacinal.

Porém, com uma diferença: enquanto até finais de 2022 apenas se deitou ao lixo, uma percentagem pequena de vacinas – o Ministério da Saúde fala numa taxa de inutilização de 8,5% –, a partir de agora, a menos que haja uma renegociação – que nunca poderá a prazer ser desfavorável aos vendedores –, as doses inutilizadas podem superar largamente aquelas que forem administradas. E começa a renascer o espectro do que sucedeu há uma década, com o Tamiflu.

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