CINEMA MEMÓRIA

James Bond, 60 anos

por Bernardo Almeida // Maio 15, 2023


Categoria: Cultura

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Há uma semana, no dia 8 de Maio, completou-se 60 anos da estreia em Portugal de Dr. No, o primeiro filme de James Bond, talvez a maior saga do cinema anglo-saxónico, que ainda hoje perdura. A estreia em território português fez-se no mesmo dia em que foi visto pela primeira vez nos Estados Unidos. No Reino Unido, o filme estreara em Outubro de 1962.

Protagonizado pelo já falecido actor escocês Sean Connery, este filme é exibido em plena Guerra Fria e já numa altura onde o império britânico é substituído pelos Estados Unidos naquilo que é a hegemonia política, social e cultural.

Dr. No começa com a morte de um agende do MI6 na Jamaica, obrigando a uma investigação pelo Governo britânico através do seu agente 007. Aqui é introduzida a personagem americana Felix Leiter, um agente da CIA que, por um lado, representará, ao longo dos vários filmes da saga, uma amizade entre o Reino Unido e os Estados Unidos, mas, por outro, cria também uma sensação de superioridade dos serviços secretos britânicos. E a propaganda se inicia.

No decurso desta investigação é introduzida a personagem Honey Ryder, (Ursula Andress), sendo que aqui que começa o estereótipo da Bond girl. A sexualização de Ryder é obvia, quer pelo fato de banho que usa, pela forma de sair da água como que se de uma sereia se tratasse.

Esta erotização das Bond girls, como uma espécie de objecto para ser olhado, como sugere Laura Mulvey na sua formulação do male gaze, torna-se prática comum nesta saga ao longo de várias décadas.

Porém, se a erotização é uma constante das personagens femininas, não é menos constante a sua dependência e sujeição aos desejos do agente secreto e à sua perícia para a sobrevivência. Assim, as mulheres de Bond obedecem aos valores do pós-guerra, em que a mulher serve para ser olhada e o homem é quem toma as rédeas da acção e sucesso – e, por isso, lhe é superior.

Bond é assim uma representação do modelo do hyper másculo, que consegue tudo o que o homem comum anseia. O sucesso com as mulheres, vencer todas as lutas, disparar a arma (um claro sinal fálico), que é melhor do que as outras, e finalmente conduzir o carro que todos querem. Bond é, assim, aquele que todos querem ser e, por isso mesmo, o homem impossível, o que o torna num paradoxo.

Dr. No introduz também os temas da guerra espacial e da ameaça nuclear. A personagem Dr. Julius No deseja sabotar o lançamento espacial em Cape Canaveral, o local nos Estados onde são lançadas as naves hegemónicas.

Como parte do seu arsenal de sabotagem Dr. No, tem um reactor nuclear que ameaça a paz mundial. A missão de 007 é impedir que o vilão atinja o seu objectivo.

Naturalmente, a implicação da missão de James Bond representa a sagacidade dos serviços secretos britânicos que são os únicos que conseguem salvar o mundo da ameaça nuclear. Salvam também os “pobres” americanos que apesar da sua pretensa superioridade, precisam da determinação e das habilidades de 007.

Neste sentido, James Bond mostra-se claramente um produto de propaganda britânica num mundo que mudou a seguir à II Guerra Mundial. É também uma salvaguarda dos valores de então.

Porém, e muito devido à sua longevidade, esta saga tornou-se numa montra histórica onde se pode ver as mudanças da cultura ocidental. Se é verdade que começa com bastante misoginia, frieza e distanciamento emocional, 007 vai, ao longo dos anos, sofrendo mudanças que reflectem os zeitgeists.

Por exemplo, Roger Moore é já um actor que traz algum humor aos écrans. Tem um riso mais fácil e os one-liners típicos destes filmes resultam melhor, muito embora a misoginia se mantenha.

Com Daniel Craig, introduzido em 2006 em Casino Royale, notam-se as principais diferenças desta personagem complexa, e que se observam também nos seus inimigos.

Estamos já longe do inimigo soviético, do General Gogol, ou da luta dos mujahideens – temas que nos anos 80 e 90 ainda faziam parte dos filmes com Roger Moore e Timothy Dalton.

Em Casino Royale, a Bond girl, protagonizada pela actriz de origem francesa, Eva Green, é já uma mulher mais autónoma e, embora a erotização se mantenha, é já uma arma ao serviço da feminidade. Bond apaixona-se e, por isso, assistimos a um lado emocional da personagem, a sua vulnerabilidade e por sua vez, a fragilidade que assim o humaniza e o aproxima do homem comum.

Introduz-se assim alguma paridade – que já antes havia sido tentada no último filme de Piers Brosnan, onde a Bond girl, Jinx, (Halle Berry) é uma agente da CIA que entra nos confrontos físicos e protagoniza sequências de acção independentes de Bond.

Curiosamente, Casino Royale é o primeiro livro do autor Ian Fleming e, se deixarmos de lado a comedia de Peter Sellers em 1967, somente no século XXI o filme acaba por ser produzido.

De acordo com um documentário da BBC de 2020, este livro é baseado nos tempos vividos em Portugal por Ian Fleming, quando era soldado britânico na II Guerra Mundial.

Sean Connery, o pimeiro James Bond, e o escritor Ian Fleming (1908-1964), “pai” da saga 007.

Alegadamente, o autor esteve hospedado num hotel da zona do Estoril, perto do Casino onde terá conhecido um espião de nome Dusko Popov, servindo de inspiração para criar 007. Fleming nunca chegou a confirmar esta alegação, e em 1964 com mais de 20 livros escritos morre, aos 56 anos.

Daniel Craig é também o primeiro Bond a introduzir o tema da morte do agente secreto, ao ser o primeiro 007 a cair em combate num filme, e assim parece confirmar a teoria que Bond é um nome atribuído a um agente, e não um nome próprio.

James Bond tem agora 60 anos, 27 filmes e continuará. Está para breve o anúncio do próximo actor que substituirá Daniel Craig. De qualquer forma, seguro é que continuará a chegar aos cinemas e a reflectir os temas da cultura actual. Talvez por, pelo menos, mais 60 anos. E ainda bem!

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