Em todos os países civilizados há um cuidado especial para com os cidadãos inimputáveis.
Não só para proteger a Sociedade de eventuais actos violentos que aqueles possam praticar, dada a sua doença, mas também pela obrigação que qualquer Ser Humano, responsável, deve (tem de) ter para com os doentes mentais.
Em Portugal, todavia, este problema é tido como “coisa menor” e tratado do modo “habitual” quando não se conseguem outras soluções.
Ou seja, deve esconder-se.
Foi assim com os mendigos, os sem-abrigo e os arrumadores de automóveis.
Não se consegue apoiá-los, há que escondê-los.
Os inimputáveis violentos são levados a Tribunal sendo que os juízes tomam, de modo geral, a única decisão possível: mandar que sejam internados num hospital apropriado ao seu estado de saúde.
O problema é que, todos sabemos, esses espaços são praticamente inexistentes em Portugal e, obviamente, insuficientes.
A alternativa, porque há que proteger a Sociedade, recordemos, é internar estes doentes em prisões.
O facto de todos concordarmos que os crimes cometidos foram causados, numa imensa maioria das vezes, pela incapacidade do seu autor em distinguir o bem do mal (porque serão, para todos os efeitos, adultos com o pensar de uma criança de tenra idade), não tem qualquer importância para os decisores.
Em Portugal há cerca de quatro centenas de reclusos, inimputáveis, espalhados pelas diversas prisões do país.
Nos últimos dias foi conhecido o caso do Ezequiel Costa Ribeiro.
Um cidadão que, na sua atribulada juventude, cometeu um crime grave (homicídio) pelo qual foi condenado a dezanove anos de cadeia.
Cumprida essa longuíssima pena, o Tribunal concluiu que não deveria ser inserido na Sociedade, por não estar pronto para tal e continuar a ser um elemento perigoso.
Provavelmente concluiu bem.
Em Portugal há 30 psicólogos, para 12.000 reclusos, e o mais provável é que este cidadão não se tenha cruzado com algum deles mais do que meia dúzia de vezes nas primeiras duas décadas em que esteve preso.
O que levou a que não houvesse, com toda a certeza, um estudo credível que pudesse garantir a sua “real” inimputabilidade.
Convicção reforçada pelas palavras do seu advogado que afirma, categoricamente, que ele nunca foi, oficialmente, registado como inimputável.
De qualquer modo, cumprida que estava a pena a que fora sujeito, é óbvio que o Ezequiel deveria sair da cadeia.
Ou para passar a viver em liberdade ou para ficar internado numa clínica destinada a cidadãos não condenados.
O problema é que a opção do Tribunal foi confirmar a sua continuação na Clínica Psiquiátrica do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo.
Um espaço que o Conselho da Europa já garantiu, depois de visitas várias, que deveria ser encerrado “por absoluta falta de condições”.
Os responsáveis afirmam que o facto da Clínica, onde ele se encontra, fazer parte de um Estabelecimento Prisional, não significa que os seus utentes possam ser considerados presos.
Vejamos:
O Ezequiel é fechado, à chave, pelas 19 horas, na sua cela, e não num quarto, e aberta esta às 7 horas do dia seguinte, não por enfermeiros – que, normalmente, deixariam a porta aberta – mas por guardas prisionais.
Se vai a uma consulta não é levado numa ambulância, acompanhado por enfermeiros, mas numa carrinha celular, algemado e no meio de guardas prisionais.
Para voltar a casa não precisa que os médicos lhe concedam “alta” mas que os juízes do Tribunal de Execução de Penas lhe passem mandato de soltura.
Todos sabem isto.
Todos assobiam para o lado.
Como compreender que num país europeu, que se diz civilizado, em cujas Escolas se ensina, na teoria, a respeitar os Direitos Humanos, com conterrâneos em altos cargos a nível mundial, desde logo o Secretário-Geral das Nações Unidas, com uma população maioritariamente católica, se considere de somenos importância que se tratem como animais alguns cidadãos pelo simples facto de serem doentes mentais?
Almada Negreiros dizia, referindo-se a Portugal, que “Isto não é um país, é um sítio e, ainda por cima, mal frequentado!”
Só os, realmente, inimputáveis não estarão de acordo.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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