Recensão: História Global da Alimentação Portuguesa

Do que comemos ao que somos: um prato nos une

por Paulo Moreiras // Maio 21, 2023


Categoria: Cultura

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Título

História global da alimentação portuguesa

Autores

JOSÉ EDUARDO FRANCO (dir.) e ISABEL DRUMOND BRAGA (coord.)

Editora (Edição)

Temas e Debates (Abril, 2023)

Cotação

18/20

Recensão

O livro que José Eduardo Franco (n. 1969), na direcção, e Isabel Drumond Braga (n. 1965), na coordenação, agora deram à estampa, com este desígnio e esta amplitude, há muito que era desejado em Portugal, tendo semelhante pretensão de traçar uma História da Gastronomia Portuguesa sido já manifestada em anteriores ocasiões por parte de alguns escritores gastronómicos da nossa praça mas, infelizmente, nunca concretizada.

Até agora, a esta extraordinária edição pela Temas e Debates, que vem colmatar uma grande lacuna no conhecimento das influências culinárias em Portugal e no mundo. No texto de "Apresentação", Isabel Drumond Braga revela a dimensão do projecto: “Apresentam-se aos leitores cento e um textos de 69 autores, 59 nacionais e 10 estrangeiros de formação especializada, em momentos distintos das suas carreiras, que redigiram sínteses atualizadas, procurando mostrar os encontros, as trocas, as adaptações e as transformações, numa rede complexa em que se articulam análises micro e macro, que permitem compreender o impacto dos fenómenos gerais nos espaços mais circunscritos”.

Para a História e compreensão da alimentação portuguesa, foi adoptada uma análise de âmbito global, consentânea com o fenómeno que a alimentação representa no mundo, e não através de simples leituras lineares, centradas numa óptica nacional. De facto, só através de uma história global da alimentação portuguesa, focada numa perspectiva cultural, se conseguiria alcançar a verdadeira realidade dos cruzamentos que ao longo dos séculos ocorreram e que tanto impacto provocaram nos nosso hábitos alimentares.

“Inúmeros estudiosos apontam que dois elementos fundamentais compõem a bagagem das pessoas que se deslocam: a língua e a cozinha maternas” (p.141). Temas que vão desde a formação de Portugal, século XII (pão, mel, queijo), até ao século XXI (batata, produtos DOP, produtos IGP, dieta mediterrânica, entre tantos outros), explorados através de questões relacionadas com a alimentação portuguesa, com os alimentos, mas também onde são abordados os utensílios, os métodos de conservação ou as técnicas culinárias, as influências portuguesas no mundo mas também as influências estrangeiras ocorridas em Portugal.

A influência de produtos como o café, o cacau ou o chocolate, o que se comia nas mesas reais mas também na alimentação dos pobres e dos famintos mas também um olhar sobre a implementação de matadouros municipais ou as questões relacionadas com a segurança sanitárias, a importância da diplomacia e o conhecimento dos hábitos alimentares de várias cortes, uma vez que a comida assumia um papel relevante nas relações internacionais, numa visão abrangente e bastante acutilante.

A globalização iniciada no século XVI irá trazer para a nossa mesa e campos agrícolas muitos produtos que hoje fazem parte da nossa identidade culinária, como o milho, o feijão, o tomate, a batata, entre muitos outros. “O reino de Portugal, tal como o de Castela, através das viagens marítimas dos séculos XV e XVI, foi pioneiro da globalização”, contribuindo para novas combinações culinárias e novos sabores, metamorfoseando as velhas práticas das suas cozinhas ancestrais. “Portugueses e castelhanos encontraram novos produtos em África, na Ásia e na América – alguns dos quais vieram posteriormente a ser explorados por outros europeus – conduziram-nos para a Europa e levaram-nos igualmente para outros espaços, por exemplo, transportando os de África e da Ásia para a América e os da Europa para esses continentes”.

Embora este excerto seja sobre a presença dos portugueses no Brasil, o mesmo se aplica por onde quer que os portugueses tenham andado: “Além dos alimentos, o português trouxe o seu conhecimento e técnicas culinárias, seja nos procedimentos de cocção - assar, cozer, guisar, refogar, grelhar e pilar - nos métodos de temperar e de conservar os alimentos - com adição de sal ou de açúcar e de fumeiro – nos artefactos de preparo e consumo – caldeirões, tachos de cobre, formas de bolo, de diversos formatos - e nas receitas culinárias” (pp.111-112).

O livro apresenta-se com um design sóbrio e elegante, algo a que o designer António Rochinha Diogo já nos habituou no seu trabalho, e que muito contribui para uma leitura prazenteira. Capítulos curtos, com o essencial sobre as temáticas em apreço, oferecendo uma panorâmica assaz abrangente, sem deixar de lado alguns dos formalismos da academia mas ideal para alcançar o público em geral, permitindo a qualquer leigo ou curioso na matéria compreender com facilidade o que fomos comendo ao longo dos séculos para aqui chegarmos e sermos como somos neste gosto tão nosso de nos sentarmos à mesa e brindarmos à vida.

Especialmente indicado para as bibliotecas de todos aqueles que se interessam pela História da Alimentação, seja ela nacional ou internacional, ou que simplesmente sintam curiosidade sobre estas coisas do comer e do beber.

Eis um livro para se ir degustando devagarinho, apreendendo todos os sabores que estas aventuras globais culinariamente nos proporcionaram. Por isso mesmo, e muito mais, este livro merece não só ser objecto de grandes honrarias como também de singelos brindes: Hip, hip, hurra!

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