Sempre achei boa ideia atribuir nomes italianos a casos de corrupção. Dá logo um ar de máfia à coisa e, sem grande esforço, sabemos ao que vamos antes de ouvir uma palavra que seja.
Tutti-frutti é, por isso, um excelente nome para a operacão da Polícia Judiciária que envolve alguns autarcas e deputados do PS e PSD.
O caso é particularmente interessante porque, de uma assentada, mostra a corrupção instalada no Bloco Central e a lentidão da justiça portuguesa nestes mega-processos.
Passam agora seis longos anos desde que se iniciaram as investigações aos arranjos entre PSD e PS nas juntas de freguesia de Lisboa. Medina e o seu número dois na Câmara de Lisboa, Duarte Cordeiro, terão alegadamente ajudado o PSD, através de Sérgio Azevedo (ex-deputado do PSD) a manter as juntas de freguesia onde estes tinham negócios (Estrela, Areeiro e Santo António, por exemplo).
O esquema era simples e baseava-se numa luta eleitoral falseada: os dois maiores partidos escolhiam e acordavam antecipadamente que juntas queriam e, feita a divisão, cada um apresentava candidatos mais fracos nas freguesias em que o adversário devia ganhar.
Lisboa era assim dividida de forma perfeitamente anti-democrática e os negócios de construção e exploração, das empresas na órbita do PSD, eram garantidos por mais uma legislatura. Sérgio Azevedo, alegadamente, era o motor da operação que se alargava a vários presidentes de junta de PS e PSD, na capital do país.
O esquema terá começado em Lisboa, mas foi copiado noutras autarquias. Ou seja, combates eleitorais falseados e eleições combinadas, de forma a garantir empregos, salários e colocações para diversos boys e empresas do Bloco Central.
Seis anos depois, não há qualquer acusação formal. Medina e Duarte Cordeiro são hoje, respectivamente, ministros das Finanças e do Ambiente, nas juntas de freguesia continuam as negociatas e, de vez em quando, o caso volta à tona, sem que o Ministério Público consiga fazer o mínimo exigido.
Este caso é, por isso, um exemplo clássico da corrupção política em Portugal.
O crime é óbvio, as escutas existem, há documentos com pagamentos feitos por trabalhos repetidos (ou seja, avenças para não fazerem nada) e o Ministério Público, como em todos os mega-processos, em vez de fazer várias pequenas acusações, parece querer deduzir uma que apanhe tudo e todos ao mesmo tempo, como no caso Sócrates – que resultou naquilo que se sabe.
As escutas que vieram a público são elucidativas. Mostram um total desprezo pelo erário público, pela democracia e por aquilo que deve ser a política. Provam aquilo que já todos sabemos há muito. Um cartão do PS ou PSD é, em Portugal, uma garantia de salário, trabalhando ou não. Mas pior do que isso, mostra, sem margem para discussão, que a política em Portugal não é um momento da vida em que nos dedicamos ao serviço público, mas sim um emprego para a vida.
É por isso que temos deputados que durante décadas não largam a Assembleia da República, autarcas que passam a vida nas suas câmaras (ou saltam para outras quando as perdem) ou até juntas de freguesia que garantem emprego até à reforma. Ser político em Portugal é um emprego para a vida. Desde a escola até à morte, passam pela vida com um salário garantido numa missão que devia ser curta e rotativa, como complemento da nossa contribuição para a sociedade.
PS e PSD dividem o país há muito e garantem empregos a quem os apoia. Não é novo, todos sabemos disso. Mas as escutas dão uma cara de realidade ao que antes seriam conversas de café. A luta pelo tacho é óbvia, a falta de respeito por quem trabalha e paga impostos para suportar tudo isto é notória.
Medina, um dos visados numa investigacão que tenta provar desvios do erário público, é hoje o principal responsável pela gestão desse mesmo erário público…. Isto não se inventa.
Mas como é que se pode dar credibilidade a uma investigacão destas? Como pode, um contribuinte comum ouvir aquelas escutas e aceitar que desde 2017 ainda não se tenha produzido nenhuma acusação? Assim de repente, sem querer entrar em grandes teorias da conspiração, parece que o caso tutti-frutti é uma reserva do PS para lançar quando os escândalos apertam. Se Montenegro gritar muito com o Galamba, o PS manda o tutti-frutti avançar e lá se vai a superioridade moral do PSD.
De repente, volta-se a falar em Passos Coelho como o homem certo para endireitar o país, e Luís Montenegro começa a ver que chegará ao fim do deserto sozinho. O homem que vendia cursos que não existiam na Tecnoforma, que saiu das jotas para o Parlamento e nunca trabalhou um dia na vida, é o homem certo e honesto para limpar o país dos tachos para os boys. Portugal se não existisse há oito séculos teria que ser inventado numa aldeia ao lado da do Astérix.
Tenho uma secreta mas muito pequena esperança que este caso abra alguns olhos, àqueles que discutem acesamente as diferenças entre PS e PSD. São um disco só com duas canções ligeiramente desafinadas, embora muito parecidas. E dificilmente mudam se os eleitores lhes continuarem a dar a possibilidade de se perpetuarem no poder autárquico e legislativo. Este caso, embora também meta o Ventura nos tempos da Câmara de Loures, será, novamente, campo fértil para o crescimento da extrema-direita no nosso país.
Por vezes, tenho vergonha do nosso país, e desejo, honestamente, que este tipo de notícias não tenha grande repercussão internacional. Não entendo mesmo como é que caímos neste buraco de subdesenvolvimento e terceiro-mundismo.
Que futuro tem um país onde, todos os dias, os políticos nos provam os seus roubos, e nós, anónimos trabalhadores, nos limitamos a encolher os ombros?
Há dias em que ser emigrante não parece assim tão mau. Hoje é um deles.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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