A taberna como referência
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Foi penoso, ao longo das últimas semanas, seguir a novela das aventuras e desventuras da TAP e de quem a dirige a nível empresarial e político.
Fomos obrigados a ouvir, durante horas e horas, todo o tipo de debates, “análises”, comentários, afirmações, desmentidos, pedidos de demissão e histórias rocambolescas, com que os nossos deputados se têm entretido, praticamente a tempo inteiro, no Parlamento.
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À falta de preparação intelectual, e do conhecimento das matérias realmente importantes para o nosso dia-a-dia, entretêm-se a dar opiniões e a exigir respostas, sobre temas que estejam ao alcance do “povinho”.
O objectivo é simples:
Pegar num caso que demonstre o falhanço de um adversário político, criticar este com a maior veemência, se necessário realçando um ou outro ponto que, mesmo sendo duvidoso, possa aumentar a revolta de quem escuta e, ouro sobre azul, criar um escândalo.
Vejamos o caso concreto que está na moda.
Tudo começou com uma indemnização de quinhentos mil euros a uma administradora da TAP, que a CEO “convidara a sair”, e que, passadas poucas horas, seria chamada para assumir um lugar noutra empresa do Estado.
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Uma Oposição, composta por um Partido (PSD) que anda, há sete anos, com vontade de “ir ao pote” – mas sabendo que tem de esperar mais três, dada a maioria absoluta do PS – com um inesperado apoio de outros com assento parlamentar, não se tem preocupado com qualquer outro assunto ou problema do país na esperança de que o clamor à volta do caso leve o presidente da República a dissolver o Parlamento e marcar eleições.
Hipótese, aliás, sugerida várias vezes por este nos intervalos das suas múltiplas opiniões sobre futebol, cinema, educação, moda e gastronomia, entre outros.
O ruído aumentou com a entrada em cena dos rapazes do Chega que, cientes de que o PSD nunca teria votos para governar sozinho, não só exigem eleições imediatas mas, também, fazer parte do novo Governo e, inclusivamente, indicando os Ministérios que pretendiam passar a tutelar.
E dizem tudo isso num discurso feito, propositadamente, para ser entendido e apoiado pelo seu eleitorado mais fiel: os habituais frequentadores das inúmeras tabernas do nosso país.
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Ou seja, fixando-se em dois ou três pontos, que cheirem a escândalo, repeti-los em frases curtas, compostas por palavras que não tenham mais de três sílabas, e insultando, a plenos pulmões, quem deles tenta discordar.
O ideal é, depois, fazerem acusações que possam pôr em causa a idoneidade dos que pretendem atacar, mesmo que alterando os factos.
Como no caso do adjunto de um Ministro, que foi demitido e, depois disso, “levou”, do que tinha sido o seu local de trabalho, contra a vontade da Directora do Gabinete, um computador do Estado porque garantia ter, nele, textos pessoais.
A polícia e os Serviços de Segurança foram recuperar o aparelho, que até foi devolvido de livre vontade, e fez-se disto um caso que, há quem considere, devia fazer cair o Governo.
Até aceito que a chamada do SIS foi infeliz e que o mais certo teria sido chamar a PSP e mandar prender o tal adjunto por furto, ou roubo, conforme a interpretação da violência havida no gabinete.
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Levar o caso ao ponto a que chegou, nos termos em que chegou, com o vocabulário usado por políticos que querem ser governantes, acabou por confirmar a fragilidade da nossa Oposição que se vê obrigada a agarrar um episódio caricato por absoluta incompetência para debater os verdadeiros e graves problemas políticos do País.
Desde logo a Saúde, a Justiça, a Educação de um modo geral e a luta dos professores em particular, o modo como investir o dinheiro proveniente da Europa, etc. etc. etc..
O PSD é chefiado por um pseudo político, sem capacidade para ganhar, sequer, uma eleição a qualquer Junta de Freguesia, que permite que, no Parlamento, nomeadamente na Comissão de Inquérito, os seus deputados tenham entrado no mesmo registo dos populistas, com insultos e tentativas de humor ridículas. Aí, o Deputado Rios de Oliveira é uma fotocópia, pior que os originais, como sempre, da malta do Chega.
Pior, só mesmo o acéfalo da Iniciativa Liberal, um tal Rui Rocha (Calhau seria mais indicado) com um palavreado absolutamente primário e deprimente.
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O resultado de tudo isto é que, pensar que o Presidente Marcelo, por muito líder da Oposição que queira ser (e tem sido) e por muita vontade que tenha (e tem) de ver o seu Partido a dirigir o País, vai usar a “bomba atómica” é estar completamente fora da realidade.
Marcelo sente que este segundo mandato, que tem sido muito mau, acabaria em total desastre se promovesse novas eleições já que o PS as ganharia, de novo, atendendo à falta de categoria de uma Oposição que tem como referência os eleitores de taberna.
Aliás, só mesmo bêbedo alguém votaria nos partidos que a compõem. Por mim falo já que seria a primeira vez que, com o cuidado de tapar o símbolo para não me sentir muito mal, votaria no PS.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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