VISTO DE FORA

As munições que o Governo dá aos liberais

person holding camera lens

por Tiago Franco // Junho 1, 2023


Categoria: Opinião

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Quando o sistema de impostos me desagrada evito falar sobre ele. A razão é simples: não dar munições aos liberais e à extrema-direita que vêem na “flat tax” a solução para todos os problemas.

Sou um defensor acérrimo dos impostos progressivos por achar que é essa a única forma de assegurar serviços públicos de qualidade, pelo menos na saúde, na educação e no apoio ao desemprego.

Ainda assim, agora vem o “mas”, volto ao tema dos impostos em Portugal por achar que a coisa começa a ultrapassar todos os limites da razoabilidade. E notem que me refiro a Portugal em especial porque no país onde passo metade do ano, a Suécia, ninguém se queixa do elevado valor dos impostos. Apesar da carnificina fiscal, não há que negar essa parte, aparentemente as pessoas identificam-se com a prática e percebem a importância de o fazerem. Deduzo eu pelo que recebem em troca.

two Euro banknotes

Esta é a parte importante desta troca comercial entre o contribuinte e o Estado. Nós depositamos um valor mensal e, em troca, o Estado proporciona-nos serviços.

Se os nossos filhos estudarem sem pagar, se formos assistidos nos hospitais sem grandes custos, se tivermos uma pensão de reforma decente e, no caso de cairmos no desemprego, termos uma qualquer protecção, em princípio a população não se queixará muito. Imagino eu.

Em Portugal, mesmo para um opositor da selva urbana defendida pelos liberais e do “cada um por si” exigido pela extrema-direita, começam a faltar argumentos para justificar a brutal carga fiscal. 

Numa semana em que voltei a ouvir falar de Alexandra Reis e devoluções de indemnizações milionárias ou, de desvios do erário público para garantir obras aos amigos de PS e PSD, pergunto-me: até onde é que cada trabalhador tem que ser esfolado para pagar este circo todo?

person standing near the stairs

A inflação vai baixando com alguma consistência mas as taxas de juro continuam a aumentar.  Nos bens de consumo também não se nota grande abrandamento na escalada de preços e, segundo alguns economistas, mesmo quando a inflação regressar ao mítico 2%, não se espera que os preços regressem aos valores pré-guerra. O mesmo para os transportes onde uma deslocação na Europa custa hoje três ou quatros vezes mais, se compararmos com os preços praticados antes da pandemia.

Num destes dias, entrei num café e pedi um iogurte. Um simples iogurte que, desde o dia anterior, tinha subido cerca de 30%. Quando perguntei a razão de tamanha exponencial à funcionária, ela encolheu os ombros e disse: “já sabe, a Ucrânia e tal…”. A Ucrânia está para a escalada de preços como o Aursnes para o onze do Benfica. É pau para toda a obra. 

O dia até me estava a correr bem quando recebo a carta para pagar o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis). O IMI é capaz de estar no pódio dos impostos mais estúpidos. Ninguém percebe bem a razão de pagar, anualmente, um imposto por uma coisa que é sua e que, ainda por cima, já foi alvo de carga fiscal a valer na altura da compra.

man in purple suit jacket using laptop computer

Uma pessoa quando compra uma casa já paga alguns milhares de euros em IMT e Imposto do Selo. Ou seja, o Estado já nos leva uma fatia na compra. Depois leva outra, maior, na venda. Tudo bem, não queremos especulação e tal. Mas depois ainda nos pede uma mesada, anual, pela existência da casa.

A dada altura uma pessoa paga taxas e taxinhas já sem saber de quê. Mas pior… o que é que recebe pelo que paga? SNS e escola pública destruídos, salários na função pública miseráveis, roubos e mais roubos do erário público descobertos a um ritmo semanal. Fica difícil, muito difícil, para um convicto apoiante do sistema público, defender o assalto fiscal português quando a moeda de troca é uma mão cheia de nada ou uns subsídios mata-fome.

Também não sou um fã da conversa de emigrante do “lá fora é que é” mas, efectivamente, é possível pagar muitos impostos, ficar com dinheiro no bolso para viver, ter serviços públicos de qualidade e não pagar impostos idiotas que cobram duas e três vezes a mesma coisa. Há décadas que PS e PSD, enquanto dividem autarquias e tachos para os boys, partilham uma única ideia para aumentar receitas: mais impostos.

wallet, empty, poverty

E por maior que seja o jackpot, vai sempre parar ao mesmo sítio. Estradas, clientelas, bancos, boys, empresas de amigos, PPPs ruinosas. Já para produção de mais valias, aposta em tecnologia e nos cérebros formados em Portugal, educação universal ou alívio fiscal, preferimos deixar para os países de primeiro mundo que nos vêm roubar os miudos à porta das universidades.

Parece-me uma estratégia óptima para quem quer continuar a competir entre os mais pobres.

Pessoalmente sinto-me cercado. Dependo de aviões para me deslocar todos os meses, pago impostos em dois países europeus a braços com a inflação desregulada e manietados por um estúpido apoio eterno a uma guerra entre impérios, disputada em território neutro. Já vamos em 3,5 anos disto.

Primeiro a pandemia, a loucura das restrições e o aumento das dívidas soberanas. E agora esta crise militar com a fatura da covid-19 lá enfiada, tudo para ser pago pela antiga classe média europeia. É trabalhar até rebentar para pagar custos de vida que há muito deixaram de ser comportáveis. 

loaf, bread crumbs, crumbs

Nunca votaria em qualquer partido à direita do PS, incluindo o próprio, mas por esta altura do campeonato, dada a pobreza crescente em Portugal pergunto, qual seria o problema de reduzir os impostos e deixar cada trabalhador com mais dinheiro no bolso?

Não diria isto se visse uma boa aplicação do dinheiro dos impostos mas convenhamos, enquanto a população empobrece e perde as casas, a classe política e as elites, vão dividindo o bolo e enriquecendo, entre negócios escuros com abutres que voam desde sempre na órbita do Estado. São muitos, são demasiados os exemplos de gestão danosa das nossas contribuições.

Valerá a pena continuar este modelo onde as pessoas empobrecem, os serviços públicos vão desaparecendo, as contribuições vão aumentando e uma minoria, já não tão silenciosa, vai enriquecendo nas costas da corrupção? 

person holding stainless steel fork

Se não querem construir uma escola universal, se não querem recuperar o SNS, se não querem falar com os professores, se não querem dividir a riqueza colectada por quem trabalha, então colectem menos. É simples. Se vamos continuar a salvar bancos, a pagar PPPs ruinosas, a roubar e a desviar descaradamente o erário público e a “dar salários a boys que se estão a cagar”, então deixem de virar as pessoas ao contrário até que dos bolsos caia a última moeda.

É imoral e pornográfico. Dividam a riqueza, forneçam serviços públicos de qualidade, tenham vergonha na cara e deixem, os sucessivos governos, de conduzir Portugal a uma república das bananas de terceiro mundo. Se assim não for, baixem pelo menos os impostos e deixem cada um tentar a sua sorte.

Pior do que está não fica.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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