podcast do Observador custou 19 mil euros à empresa municipal de Lisboa

Carlos Moedas paga, através da Gebalis, conversa sobre Programa Especial de Realojamento

por Pedro Almeida Vieira // Junho 1, 2023


Categoria: Imprensa

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Por ajuste directo, a Gebalis pagou 19 mil euros por 12 episódios de um podcast da Rádio Observador. Nas conversas, cuja difusão começa está sexta-feira, Carlos Moedas é o primeiro convidado, e para ser ouvido pelo anfitrião Paulo Ferreira, antigo jornalista e actual comentador e colunista, a empresa municipal de Lisboa responsável pelos bairros sociais desembolsou 1.583 euros por cada episódio. A vereadora da Habitação, Filipa Roseta, e o próprio presidente da Gebalis também já garantiram um lugar para serem ouvidos. Apesar de ser uma evidente prestação de serviços, com contrato no Portal Base, o podcast é apresentado como uma parceria.


Carlos Moedas será amanhã o primeiro convidado de um podcast comemorativo dos 30 anos do Programa Especial de Realojamento (PER), anunciou esta semana o Observador. O actual presidente da autarquia de Lisboa estreará as conversas conduzidas pelo radialista, comentador e ex-jornalista Paulo Ferreira, mas, por certo, não se abordará a transferência de 19.000 euros da empresa municipal Gebalis para o Observador como contrapartida pela realização de 12 podcasts temáticos, que contará ainda com a presença de antigos e actuais responsáveis políticos da edilidade.

Com efeito, apesar de a Rádio Observador anunciar que o novo podcast é uma “parceria com a Gebalis”, na verdade trata-se de um simples contrato de prestação de serviços, similar à compra de uma refeição num restaurante: em troca de um prato de lagosta, o cliente paga 100 euros. Neste caso, a “lagosta” são os 12 episódios do podcast, e o pagamento não é de 100 euros, mas sim 19.000 euros. Por ajuste directo, assinado em 23 de março passado.

Imagem de divulgação do podcast com foto da conversa entre Carlos Moedas e o comentador Paulo Ferreira. Cada episódio custou 1.583 euros à empresa municipal Gebalis.

Nas cláusulas do contrato salienta-se que “o contrato tem por objecto a produção, promoção e difusão do podcast que contará as histórias e testemunhos de todos os que fazem parte do PER, desde moradores, representantes da Gebalis e figuras de relevo que potenciaram o PER, de acordo com o estipulado no caderno de encargos”.

Porém, no Portal Base não consta o caderno de encargos – não cumprindo assim com as determinações legais –, embora a empresa municipal lisboeta responsável pela habitação social tenha indicado parte dos convidados dos 12 episódios do podcast.

Além da conversa com Carlos Moedas, já gravada, pelos episódios do podcast – ao custo de 1.583 euros cada – passarão ainda a vereadora da Habitação, Filipa Roseta, o antigo presidente da autarquia alfacinha, João Soares, e o próprio presidente da Gebalis, Fernando Angleu Teixeira, o homem que pagou a conta e que fechará o ciclo de conversas pagas.

Fernando Angleu Teixeira, presidente da Gebalis. Multiplica-se o recurso a supostas parcerias, que são apenas contratos de prestação de serviços que incluem entrevistas e cobertura noticiosa de eventos.

O contrato entre o Observador e a Gebalis foi, porém, assinado por um vogal da empresa municipal. Por parte do Observador, assinaram, como administradores, Rui Ramos e José Manuel Fernandes. O antigo director do Público surge agora na ficha técnica do Observador como publisher – uma designação não reconhecida pela Lei da Imprensa – e apresenta-se ainda como jornalista, apesar de não ter a carteira profissional activa, daí não existir qualquer incompatibilidade por assinar contratos comerciais, ao contrário do que se confirmou recentemente com Domingos de Andrade.

Em todo o caso, José Manuel Fernandes tem sido o rosto principal da campanha do Observador em prol do apoio ao jornalismo independente, tendo como mote a recusa deste jornal de receber, há três anos, ajuda directa do Estado, algo considerado pelo publisher, no sábado passado, como “um momento de reafirmação do nosso compromisso com os leitores, da nossa determinação de permanecermos um jornal independente, um momento que também evidenciou o inquebrantável apoio da nossa comunidade de leitores e assinantes”.

Saliente-se que a produção de podcasts – que é uma plataforma ambígua de informação – pelo Observador, geralmente apresentados como “parcerias” (leia-se, contratos de prestação de serviços) já se revestiu de outras formas pouco ortodoxas de financiamento. Por exemplo, em 2021, a farmacêutica Gilead, além dos encargos de produção e difusão, até pagou a participação de dois médicos (Fernando Maltez e Teresa Castelo Branco) pelas conversas.

José Manuel Fernandes, publisher do Observador, assume-se como jornalista, mas está sem carteira profissional activa. Só assim a sua participação na assinatura do contrato entre Observador e Gebalis não viola o Estatuto do Jornalista.

Apesar dessa prestação de serviços, Fernando Maltez, presente como presidente de Doenças Infecciosas e Microbiologia Clínica, chegou a agradecer por duas vezes o “convite” – assim como se constata durante a emissão –, mesmo tendo recebido 1.230 euros da farmacêutica por 15 minutos de conversa.  

Ainda quanto à produção e difusão do podcast sobre os 30 anos do PER, tal insere-se ainda num conjunto de outros eventos, cobertos pelo Observador, um dos quais foi a exposição patente no Palácio Pimenta sobre políticas de habitação em Lisboa desde a Monarquia à Democracia.

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