Passou quase despercebida do grande público uma notícia extremamente preocupante: a falta de vacinas em vários centros de saúde do país.
Aquele que devia ser um caso prioritário nas preocupações da Oposição (já que o Governo se desleixara numa matéria crucial) passou para segundo plano porque, para a maioria dos deputados, ansiosos de chegar ao Poder, o que interesse é que o “povinho” se revolte com as trapalhadas da TAP.
A possibilidade de incumprimento do Plano Nacional de Vacinação, incluindo no que respeita a crianças, é, para estes, um caso de somenos importância se houver que descobrir quem chamou o SIS num caso que deveria ter sido resolvido pela polícia.
Os problemas gravíssimos que esta falha pode causar, e o facto dela só ser possível por uma absoluta incompetência do Ministério da Saúde, não deverão merecer atenção prioritária enquanto não se souber, claramente, se um assessor agrediu, ou não, colegas do gabinete para se apropriar de um computador.
Deixando de lado a incomensurável estupidez desta Oposição, tentemos analisar o que se passa.
Comecemos por uma pergunta simples:
Como pode o Ministério da Saúde tentar justificar a falta de vacinas em vários centros de saúde do país?
O comum dos mortais sabe que o Estado tem, ao seu dispor, à distância de um clique, num qualquer computador, o número exacto de vacinas a administrar aos cidadãos.
O médico Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria, foi claro:
“A aquisição de vacinas é uma daquelas coisas previsíveis e que se sabe com antecedência, quantas e quais é que vão ser necessárias. Por isso, uma quebra de disponibilidade nos centros de saúde, que não seja por falta de produção, é incompreensível.”
Qual será, então, a gravidade da situação?
Para o cidadão comum esta pergunta é de difícil resposta já que, ao contrário do acima dito em relação aos governantes, nesta altura é desconhecido o número de vacinas administradas diariamente.
Na realidade, desde 2020, e por causa da pandemia, os dados foram retirados do Portal da Transparência e ainda não voltaram a ser disponibilizados.
Ainda assim, e graças às informações prestadas pelos responsáveis, sabemos que começaram a faltar, nos Centros de Saúde, doses de vacinas contra a difteria, tétano, tosse convulsa, poliomielite e haemophilus b.
Mais, sabemos que o Governo ainda não comprou as vacinas do Programa Nacional de Vacinação deste ano e que os Centros de Saúde estão a utilizar doses que sobraram do abastecimento anterior.
Segundo o jornal Expresso, a vacinação gratuita à população, sobretudo de recém-nascidos e crianças, está a ser feita a “conta-gotas”.
Em resposta à TSF, Manuel Pizzarro reconhece que “pontualmente, num local ou noutro, podem ocorrer situações de faltas, que são rapidamente resolvidas”, e assegura que, “a nível nacional, não estão vacinas em falta no âmbito do Programa Nacional de Vacinação”.
Duas frases que entram em contradição nítida e que tentam branquear com a garantia de que “Portugal faz uma gestão criteriosa do stock de vacinas, monitorizando-o em permanência, o que permite assegurar a disponibilidade de vacinas, sem desperdício, e que se continue a vacinar e a cumprir o Programa Nacional de Vacinação”.
Esta estranha serenidade, todavia, é arrasada pelos jornalistas do “Expresso”.
Estes garantem que, apesar das necessidades para o cumprimento do Plano Nacional de Vacinação, para 2023, terem sido enviadas, atempadamente, pela Direção-Geral da Saúde ao Ministério da Saúde, o respetivo procedimento para a aquisição das vacinas ainda não foi iniciado.
“O Ministério da Saúde foi avisado com dezenas de e-mails a alertar para a urgência em aprovar o plano”, garantiu ao jornal uma fonte próxima do processo.
Os profissionais ouvidos pelo semanário, mesmo aceitando a garantia, dada pelo Ministério, de que a compra de vacinas ficará concluída na próxima semana, garantem que esta compra não apagará o atraso de seis meses.
Por sua vez, o Dr. Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, garante que, “já em 2022, 12% das crianças foram vacinadas depois da idade ideal. Ou seja, houve uma fragilização”.
Os dados disponíveis, citados pelo “Expresso”, revelam que a vacinação fora do tempo certo é mais evidente nas crianças mais pequenas, entre os 12 e os 13 meses de vida.
Segundo o boletim, a imunização atempada nessa faixa etária fica pelos 85%, portanto muito abaixo dos mais de 95% conseguidos na cobertura global nos restantes grupos vacinados.
Mas que importância terá tudo isto para os nossos políticos empenhados que estão na luta pelo prémio do mais populista?
Se, pelo menos, houvesse uma vacina contra o desleixo…
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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