Contrato da ADENE assinado por ex-adjunto de Galamba e por antigo deputado socialista

Ministro Duarte Cordeiro com entrevista na TSF paga por agência de energia que controla

por Pedro Almeida Vieira // Junho 7, 2023


Categoria: Imprensa

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A ADENE, uma agência de energia controlada por entidades tuteladas pelo Ministério do Ambiente, pagou à TSF a emissão de 12 podcasts em ajuste directo por 19.995 euros. O contrato foi assinado por Nélson Lage, antigo adjunto de João Galamba na Secretaria de Estado da Energia, e por Bruno Veloso, ex-deputado socialista. O primeiro convidado foi o próprio ministro Duarte Cordeiro, que esta terça-feira teve um “direito de antena” de 35 minutos na TSF para promover o seu trabalho. A entrevista foi conduzida por Paulo Tavares, que apesar de ser apresentado pela ADENE (e por si próprio) como jornalista, não tem carteira válida por ser proprietário de uma empresa de consultoria política e assessoria de imprensa. Este é mais um lamentável episódio das promiscuidades e atropelos legais e deontológicos na imprensa mainstream, sob a cúmplice apatia da ERC, CCPJ e Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.


“Obrigado por ter aceitado o nosso convite” – foi assim que o entrevistador Paulo Tavares, presumido jornalista, agradeceu ao ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, a concessão de uma entrevista à TSF, emitida esta terça-feira, integrada num conjunto de podcasts desta rádio da Global Media, e apresentada como uma parceria com a ADENE.

Tudo fake. De facto, a entrevista, ou melhor, uma conversa descontraída com palco para exposição das políticas ministeriais, não foi conduzida por um jornalista acreditado. Não houve também propriamente um convite, porque a “parceira” do podcast da TSF, a ADENE é indirectamente tutelada por Duarte Cordeiro. E chamar “parceria” é abusivo, porquanto a relação entre a TSF e a ADENE é similar à aquisição de um serviço de relações públicas: a ADENE apenas deu dinheiro para, em contrapartida, ser-lhe feitos e emitidos os podcasts que desejava.    

Verdadeiro, assim, apenas uma conversa de promoção das políticas do Ministério do Ambiente e da Acção Climática, mesmo se, aos ouvidos dos ouvintes, possa ter parecido que se tratou de uma entrevista com liberdade editorial – um pleonasmo, porque entrevista pressupõe a existência de liberdade editorial.

Mas comecemos por saber quem é a ADENE, suposta parceira da TSF.

Embora seja uma associação – que integra como sócios, por exemplo, a Galp e a EDP –, esta agência de energia é um dos braços da política energética do Governo, tendo como sócios principais a Direcção-Geral de Energia e Geologia (25,1% de participação), o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (24,71%), a Agência Portuguesa do Ambiente (11,67%) – todas tuteladas pelo Ministério de Duarte Cordeiro – e as suas contas estão integradas no perímetro do Orçamento do Estado. Ou seja, apenas por entidades por si tuteladas, Duarte Cordeiro “controla” mais de 60%. Acrescentando a participação da Direcção-Geral das Actividades Económicas (11,67%) tem o Governo um controlo acima de 70%.

photo of truss towers

A ADENE é também responsável pela gestão do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE) e ainda a entidade gestora operacional do Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia. Além disso, “exerce a atividade de Operador Logístico de Mudança de Comercializador no âmbito do Sistema Elétrico Nacional e do Sistema Nacional de Gás”. Esta entidade assegura ainda o apoio operacional à execução do Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública (ECO.AP) para o período até 2030, em articulação com as entidades coordenadoras – a Direcção-Geral de Energia e Geologia e a Agência Portuguesa do Ambiente – organismos tutelados por Duarte Cordeiro.

A ADENE assegura ainda a gestão da Academia ADENE, que “promove formação especializada na certificação energética de edifícios e reforço de competências nos domínios da eficiência energética, das energias renováveis, da eficiência hídrica e da mobilidade eficiente”.

Mas, na verdade, aquilo que poderá ter parecido, aos ouvintes, um conteúdo editorial independente, até porque a ADENE refere ser apresentado por um jornalista, é afinal mais um programa de conteúdos pagos.

Nélson Lage, presidente da ADENE, foi adjunto de João Galamba, quando o actual ministro das Infraestruturas era secretário de Estado da Energia. Transitou para a agência de energia, nomeado pela tutela, em Agosto de 2020.

Com efeito, em 18 de Abril, o actual presidente da ADENE, Nelson Lage – licenciado em Ciências Políticas e antigo adjunto de João Galamba, na secretaria de Estado da Energia – e o seu vice Bruno Veloso – ex-deputado socialista – assinaram um contrato com Marco Galinha, administrador da Global Media, no valor de 19.995 euros para a “aquisição de serviços associados ao desenvolvimento, produção e dinamização do ‘Podcast ADENE, Toda a Energia”. Acrescente-se que o valor de 19.995 euros não é um acaso: a partir de 20.000 euros os contratos deste género não podem ser feitos por ajuste directo.

Apesar do caderno de encargos não constar, como deveria, no Portal Base, em comunicado ontem divulgado a ADENE refere que serão transmitidas “12 emissões, cada uma com cerca de 15 minutos”, sob o comando do “jornalista Paulo Tavares”. Ou seja, 1.666 euros pagos por cada episódio.

Nesse comunicado era logo transmitido que o ministro Duarte Cordeiro seria o primeiro participante, no qual se abordaria “o significado da Política Energética, as suas diversas dimensões e a importância para o desenvolvimento do país”, acrescentando-se ainda que “ser[ia] explicado como os cidadãos podem contribuir para o sucesso e implementação da política energética.​” O episódio foi, efectivamente já emitido ontem, tendo o ministro um bónus: a conversa ocupou um espaço de antena de 35 minutos e 34 segundos.

Duarte Cordeiro é “reincidente” ao beneficiar de cobertura mediática favorável em eventos que, afinal, envolvem prestação de serviços.

Além do pagamento de quase 20 mil euros por podcasts financiados por uma entidade associada ao Ministério do Ambiente, a entrevista – e depreende-se que a totalidade dos outros episódios – foi assumida por alguém que, na verdade, já não é jornalista, embora publicamente usurpe essas funções.

Com efeito, apesar da ADENE identificar Paulo Tavares como jornalista – e o próprio também o fazer na rede LinkedIN –, o entrevistador deste podcast não tem carteira profissional activa, tanto mais que exerce agora funções como consultor de comunicação, actividade incompatível de acordo com o Estatuto do Jornalista.

Apesar disso, Paulo Tavares continua a manter-se ligado à comunicação social de uma forma ambígua (assumindo-se como jornalista), através da sua empresa unipessoal, a PTS (iniciais de Paulo Tavares Sardinha), constituída em Dezembro do ano passado para a “prestação de serviços de consultoria política e assessoria de imprensa, e de consultoria editorial”, bem como “produção, gestão e apresentação de eventos” e ainda “produção e realização de programas de rádio e televisão” e ainda “edição de revistas e outras publicações não periódicas”.

Paulo Tavares conduziu “entrevista” ao ministro do Ambiente no podcast pago pela ADENE. Apesar de se apresentar como jornalista, não tem carteira válida por ser proprietário de empresa de comunicação, mas continua com ligações ambíguas com a Global Media.

No ano passado, Paulo Tavares – que foi efectivamente jornalista na TSF entre 1993 e 2016 e, mais tarde, director-adjunto do Diário de Notícias, entre 2016 e 2018 – chegou a exercer uma função ambígua (e inexistente) num evento pago (MobiSummit) por uma empresa municipal de Cascais à Global Media: “curador editorial”, ou seja, responsável pela cobertura mediática pelos órgãos de comunicação social do grupo de Marco Galinha.

Esta situação ilegal não teve qualquer intervenção conhecida da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.

Ouvindo a “entrevista” a Duarte Cordeiro, ressalta logo, pelas questões, a abertura de caminho para que o ministro do Ambiente pudesse publicitar e promover, sem quaisquer perguntas incómodas, as políticas em curso.

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Aliás, não é a primeira vez que Duarte Cordeiro beneficia de entrevistas ou notícias feitas no âmbito de alegadas parcerias de entidades associadas ao Ministério do Ambiente com órgãos de comunicação social, mas que são, na verdade, prestação de serviços envolvendo publicidade travestida de conteúdos noticiosos.

Em Maio do ano passado, o PÁGINA UM relatou que o Instituto da Conservação da Natureza pagou 19.500 euros para a cobertura de um evento, tendo uma notícia escrita por um jornalista com carteira profissional sido colocada numa ambígua secção (Projetos Expresso), onde empresas públicas e privadas adquirem “serviços de jornalismo”.  

Uma semana após o primeiro evento, o ministro teve direito a uma entrevista descontraída por três jornalistas do Expresso, onde até posou, sorridente, sentado na escadaria do edifício da Rua do Século.

Também no MobiSummit, em Setembro do ano passado, Duarte Cordeiro esteve envolto em polémica por recusar prestar declarações a determinados órgãos de comunicação social alegando ter exclusivo com os media partner do evento, os três periódicos do grupo empresarial da Global Media: Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Dinheiro Vivo.

Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas continuam a “fechar os olhos” a sistemáticas violações da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.

Também nestes casos não houve intervenção conhecida da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, apesar das evidentes violações da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.

O PÁGINA UM contactou o gabinete de Duarte Cordeiro questionando se o ministro do Ambiente “já concedeu outras entrevistas pagas a outros órgãos de comunicação social”, e se sim a quais, e também se considerava “esta prática aceitável, ou seja, financiar podcasts ou outros eventos através de entidades públicas tendo como contrapartida entrevistas ou artigos noticiosos favoráveis”. Não obteve ainda resposta.

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