VISTO DE FORA

O Milhazes é todo um outro campeonato…

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por Tiago Franco // Junho 8, 2023


Categoria: Opinião

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Nunca percebi o fascínio que temos por conversas vazias de conteúdo em horário nobre. Se for na tasca da minha freguesia no intervalo do Benfica, entre minis, eu não só percebo como até aprecio. Mas, na televisão, todos os dias à hora da sopa, ter de levar com especialistas em banalidades, é coisa que me aborrece.

Repito esta parte, porque é importante: acho óptima uma boa conversa de café; só que gosto de as ter… no café. Não sei se me faço entender.

Assim, transformar conversa de café em homília diária é coisa que me faz pensar nos critérios de quem liga a televisão.

Durante a pandemia recebemos doses reforçadas do Froes, que nos vinha mostrar o catálogo de vacinas que os patrocinadores mandavam.

Ou então era o Carona, que a meio do processo deixou de ser médico e passou a romancear o sofrimento.

Eram heróis que choviam em horário nobre. Quem não se lembra dos votos ganhos pelo deputado e médico do PSD, Ricardo Batista Leite, aquando das mortes que não aconteceram no hospital de Cascais. E quando não eram estes artistas, ainda vinha o Antunes que, no meio de umas pausas das medições de montanhas, nos recomendava quantos dias é que devíamos ainda usar máscara ou ficar fechados em casa.

Lembro-me de ouvir economistas na SIC Notícias a discutirem medidas de Saúde Pública decididas pelo Anders Tegnell na Suécia. O Tegnell, que andava por África quando o Ébola rebentou, era contestado por Marias (e aqui o nome não é ficção) que gritavam por confinamentos.

E “nós” ouvíamos aquilo, sem contestar, e ainda chamávamos assassino a quem andava pela rua. Se há coisa que a covid-19 me ensinou foi que a estupidez humana é mesmo infinita. Bem sei que hoje já não se encontra uma alma a favor dos confinamentos, mas, na altura, iam todos na conversa de café da Maria. 

A cada nova miséria, entre os entendidos que, de facto, percebem da poda, aparece sempre uma rock star

E neste ano e meio de guerra, o galardão tem de ser entregue ao Milhazes. Por vezes até fico com pena do Rogeiro, ao lado de tal personagem. Entendo que nesta temática (a guerra), quase todos os analistas falem na condição de adeptos e que puxem a coisa para a sua cor. Acaba por ser inevitável. Poucos dão opinião de forma isenta e, entre estes, também se contam pelos dedos aqueles que nos fornecem alguma informação útil e relevante.

Sabemos que o Rogeiro há 30 anos que estuda a matéria e, obviamente, é um entendido do assunto. Justifica as suas posições, mais ou menos apaixonadas, com dados. Dá para o ouvir e, pelo menos, ficar a pensar.

Mas o Milhazes é todo um outro campeonato.

Entendo que, no início disto tudo, o homem tenha aparecido pelos estúdios de televisão para traduzir umas coisas de russo e tal. Um espécie de Mourinho que foi fazer uma perninha a Barcelona como tradutor de um inglês, e, quando deu por ela, já estava com o pé na bola. Só que o Mourinho tem talento. Ou teve, pelo menos.

O Milhazes não. A quantidade de disparates é de tal maneira grande, e a “informação” tão inútil, que não se percebe a quantidade de horas que lhe são dispensadas.

Como da componente militar, aparentemente, nada percebe, Milhazes dedica-se a fazer de alcoviteira de Zelensky. Fala mal de russos em Portugal, sejam eles professores universitários ou membros de associações de acolhimento.

Todas as semanas nos aparece ele com grandes revelações de propaganda russa, vídeos fabricados e coisas do género, com a alegria de quem descobriu a pólvora. Como se numa guerra algum dos lados falasse verdade, como se numa guerra a propaganda não fosse, sempre, e em qualquer circunstância, uma das armas. 

Mostra-nos todos os nazis do lado russo, e transforma aqueles que, de suástica no braço, combatem do outro lado, em defensores da liberdade. Em determinados momentos, José Milhazes parece um crítico da imprensa cor-de-rosa, daqueles programas da manhã, em versão russofóbica. Nem o Avante escapa a este justiceiro. No ano passado, criticou os artistas que lá iam, dizendo que estavam a ser cúmplices com um partido que apoiava a invasão da Ucrânia. Este ano, pelo que percebo, voltou a repetir o discurso. Milhazes é, por esta altura, a melhor publicidade que a Festa do Avante pode ter.

Este discurso bafiento contra quem pede conversas de paz ser putinista ou apoia a invasão, está ao nível do “assassinos” ou “negacionistas” de há pouco tempo para quem era contra a inutilidade dos confinamentos. Hoje somos todos, eu sei.

E Milhazes repete esta conversa, a toda a hora, entre os disparates que vai dizendo e a ausência de análise que nos vai presenteando. Ainda assim, tal como o Froes nos vendia vacinas, esta rock star da guerra vai vendendo uns livros e percorrendo o país a espalhar a sua sapiência. A história das rock stars repete-se quase sempre, ainda que o motivo do estrelato seja diferente.

Aqui há uns dias, no meio da cegueira ideológica, Milhazes afirmou que a Rússia era uma ditadura de extrema-esquerda. O disparate passou e aparentemente ninguém deu por ele, vindo da boca de um estalinista arrependido.

Aliás, é caso de estudo um homem que passa quase quatro décadas numa ditadura, metade do tempo nas mãos de Putin, e só nos estúdios da SIC é que descobriu aquele ódio todo a quem lhe deu de comer e, pelo vistos, continua a dar.

Quando chegou a casa e começou a receber gratificações do André Ventura, lá percebeu o disparate, e no programa seguinte fez a correcção e pediu desculpa. Mas não conseguiu terminar a frase sem repetir um daqueles bordões mais clássicos deste ano. Olhou para o Rodrigo Guedes de Carvalho e, com aquela cara de quem tinha terminado um tinto menos veludado, disse: “por ser uma ditadura de extrema-direita, ainda é mais esquisito que o PCP a apoie”.

Estranho, estranho, estranho mesmo é ver como o Milhazes se consegue aguentar no ar tanto tempo com uma encenação tão mal montada. Não via um espectáculo tão pobre e duradouro desde que saí a meio do Cats, numa noite de má memória no Coliseu dos Recreios. 

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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