VISTO DE FORA

António Costa e o momento Luísa Brandão

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por Tiago Franco // Junho 12, 2023


Categoria: Opinião

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António Costa voltou a mostrar nas comemorações do 10 de Junho como é que se consegue atravessar a turbulência dos casos da TAP, escândalos de ministros desde os tempos do Cabrita, uma pandemia, uma guerra, pobreza crescente, inflação descontrolada, taxas de juro altíssimas e famílias desesperadas e, ainda assim, manter o cargo de primeiro-ministro durante sete anos.

Este foi o homem que chegou à liderança do PS depois de António José Seguro atravessar sozinho o deserto e, em eleições nacionais, o que formou Governo sem ser o mais votado (felizmente, acrescento eu aqui).

Portanto, meus amigos: António Costa é hábil, político de corpo e alma (para o bem e para o mal) e pensa as jogadas uma semana antes dos oponentes.

Naquelas tristes comemorações do Dia de Portugal destacam-se sempre três coisas: discursos aborrecidos com recados que não servem para nada, a quantidade de latas velhas que a cada ano vai desaparecendo do desfile (positivo) e o barómetro de popularidade aos políticos em funções.

Marcelo, o habitual rei do “não chove nem molha” recolheu o apoio popular, Galamba foi o alvo-mor dos apupos e não há quem perceba como é que este homem ainda é ministro.  Costa andou no limbo, teve que suar pelo voto e… safou-se.

Fez questão de andar a pé com a mulher no meio dos professores descontentes e enfrentou-os. Certamente ia preparado para isso, mas a paciência com que falava e era interrompido (ou insultado) sem perder a calma, mostra que nada lhe acontece por acaso.

Deixou os jornalistas apanharem o teor das conversas com alguns professores que o apertaram e tinha as medidas do descongelamento das carreiras na ponta da língua. Costa é um rapaz que se prepara.

Um grupo mais restrito de professores fez-lhe o favor de o insultar com cartazes de muito mau gosto e índole racista. Meus amigos: numa luta onde a razão está toda do lado dos professores, dar tiros de pólvora seca com uns cartazes que até ao Chega envergonhariam (ou talvez não), é fazer do Governo um alvo de simpatia popular. Com este tipo de pensamento tão limitado e uma visão tão reduzida da realidade, espero que nenhum daqueles professores dê aulas de história. Seria uma verdadeira catástrofe.

A Fenprof afastou-se deste grupo de professores e traçou a linha da decência. E fez bem. Na luta pelos direitos laborais, ou em qualquer luta, não se usam argumentos racistas. Se o fizermos a causa está perdida antes sequer de começar. 

Até que chegou o momento Luísa Brandão. Uma professora que fez 120 km para se meter na fila das selfies.

Chegada a sua vez, disse que não queria fotografias mas sim ser ouvida. Falou das suas preocupações e de tudo o que ia para lá dos salários, nomeadamente a vertente pedagógica e a falta de condições em que os professores trabalham.

Costa ouviu, debateu, argumentou e sacou o golpe de génio: prometeu, em frente a um batalhão de jornalistas, que lhe ligaria para discutir aqueles temas e ainda lhe pediu o número de telefone, escrito num papel para que em redor ninguém ficasse com ele. É o tocar no chão e meter-se ao nível dos problemas de cada um de nós. É o ganhar a simpatia entre quem o insulta. Saiu entre sorrisos e boa disposição.

No dia seguinte poucos falavam do “momento Galamba” do discurso do presidente da República (quando disse que era preciso cortar alguns galhos estragados) e muitos contavam a história de Luísa, a professora da Póvoa de Lanhoso, que saíra de casa com a convicção de que chegaria à fala com o primeiro-ministro. 

Em princípio, ninguém se lembrará de confirmar, daqui a umas semanas, se Costa efectivamente lhe ligou mas, naquele dia, o ódio ao Governo caiu em Galamba, a indiferença em Marcelo e Costa, uma vez mais, passou pelos pingos e saiu em ombros.

Anselmo Crespo dizia na CNN que por muito mau que seja o Governo, as pessoas olham em redor e pensam nas alternativas. Ventura e Montenegro. Montenegro e Ventura. É pouco, muito pouco. Costa mete-os no bolso com duas ou três Luísas.

A direita ainda se arrisca a perder as eleições mais fáceis da história.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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