EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA

O venenoso abraço das farmacêuticas à imprensa

boy singing on microphone with pop filter

por Pedro Almeida Vieira // Junho 16, 2023


Categoria: Opinião

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A entrevista que hoje publicamos no PÁGINA UM, conduzida pela Elisabete Tavares, ao jornalista norte-americano Paul D. Thacker, é de leitura obrigatória porque constitui uma peça fundamental para compreender os tempos mais recentes, e sobretudo o papel vergonhoso da comunicação social. Dos jornalistas. De muitos jornalistas. De demasiados jornalistas, daqueles que dirigem órgãos de comunicação social, daqueles que pactuam com as promiscuidades, daqueles que agem por omissão.

A entrevista tem como pano de fundo a Ciência e o sector das farmacêuticas, mas incide, e muito, na forma como a comunicação social tradicional se deixou envolver num venenoso abraço, se foi vergando ao “canto da sereia”, e aos milhões, da indústria farmacêutica.

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Paul D. Thacker, que tem um percurso invejável, ostentando vários prémios de investigação – um dos mais recentes pela denúncia de conflitos de interesse de conselheiros do Governo do Reino Unido durante a gestão da pandemia (onde já vimos isto?) –, afirma, por exemplo, que “se entrarmos em qualquer livraria encontramos livros sobre o historial de corrupção na indústria farmacêutica; é a indústria que mais multas pagou na História dos Estados Unidos. Mas, a partir de 2015, todas as pessoas que faziam perguntas sobre o sector começaram a ser chamadas de “anti-vacinas”.  

E, depois conta, como de repente, deixou de ser possível colocar qualquer questão sobre fármacos e sobre vacinas. “As pessoas que fazem essas perguntas são chamadas de ‘anti-vacinas’. A forma como, nos últimos anos, sobretudo a partir da pandemia, os órgãos de comunicação social introduziram rótulos, deixando de questionar, enquanto se amancebavam com as farmacêuticas, deve fazer-nos reflectir sobre que imprensa temos, já que sobre as farmacêuticas sempre soubemos o que são: empresas com accionistas, que legitimamente querem vender um produto que beneficia os seus clientes mas que estão ali para beneficiar sobretudo os seus accionistas num mercado fortemente concorrencial. Não são, nunca foram a Madre Teresa de Calcutá, e por isso a necessidade de uma regulação independente e de uma comunicação social independente e atenta.”

Não sejamos ingénuos. Sabe-se como a comunicação social e jornalistas sem escrúpulos conseguem “matar” mensageiros que trazem más notícias: silenciamento e difamação. Não foi por acaso que o nascimento do PÁGINA UM, em Dezembro de 2021, foi brindado por um ataque torpe da CNN Portugal (ladeado por Lusa, Expresso, Público e Observador), que “conseguiu” transformar uma investigação jornalística exemplar da minha autoria numa acusação de desinformação de movimentos negacionistas. Ainda hoje a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) continua a recusar abrir um processo à CNN Portugal por essa canalhice.

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Aliás, a CCPJ, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas são bem a imagem, à escala lusitana, da forma como contribuem para a agenda do silenciamento de um projecto jornalístico incómodo como o PÁGINA UM. Por exemplo, não é normal que todos os três processos instaurados pela ERC contra mim tenham sido espoletados por notícias que envolvem pessoas ligadas à indústria farmacêutica, e que duas das intervenções da CCPJ contra mim tenham também o DNA daquele sector. Não surpreende também que eu seja arguido num processo judicial desencadeado pela própria Ordem dos Médicos, pelo seu ex-bastonário Miguel Guimarães e por dois “avençados” pela indústria farmacêutica: o pneumologista Filipe Froes e o pediatra Luís Varandas.

Também a forma como a imprensa mainstream não acompanha nem dá eco das notícias do PÁGINA UM sobre a pandemia e outros escândalos relacionados com fármacos (e não apenas vacinas) mostra bem a outra face da indústria farmacêutica a corromper moralmente a sociedade. Hoje, jamais se põe em causa um fármaco, jamais se fala de efeitos adversos, de más práticas, de manipulação, de corrupção. Paul D. Thacker fala-nos disso, com propriedade, até porque foi afectado por campanhas de difamação, promovidas por agências de comunicação e pela própria imprensa mainstream.

Por isso mesmo, cada vez se mostra menos concebível a dependência financeira que grupos de media internacionais e portugueses – por exemplo, a Impresa, a Global Media e o Público, só para citar alguns – têm hoje da indústria farmacêutica, e que coloca sérias dúvidas sobre a independência da informação quando o tema são fármacos.

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Não encontramos, hoje, nenhum órgão de comunicação social generalista de grande dimensão que coloque em causa medicamentos (incluindo vacinas) das farmacêuticas; pelo contrário, hoje a comunicação social constitui um veículo de excelência para as farmacêuticas criarem lobby em conluio com “especialistas” associadas a dependentes sociedades científicas, através de eventos e mesmo notícias. Concretizarei ainda mais esse tema muito em breve.

Urge, nesse aspecto, que o Infarmed – essa entidade, que parece andar mais a proteger a indústria farmacêutica e o Governo do que a proteger a saúde colectiva e individual dos portugueses– exerça o seu papel de moralização, obrigando a que sejam revelados, como indica a lei, os montantes envolvidos nas parcerias entre comunicação social e farmacêuticas.

Já seria um começo.

Até lá, uma coisa parece-me evidente: uma entrevista como esta a Paul D. Thacker nunca seria hoje publicada em qualquer jornal de âmbito nacional de Portugal, muito menos com este título: “As farmacêuticas têm um longo historial de corrupção“. E sendo essa uma afirmação verdadeira, e não sendo agora previsível aparecer num qualquer jornal mainstream, isso diz muito da nossa imprensa. E das capacidades das farmacêuticas em influenciar e condicionar a liberdade de informação.

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