Em 2020 e 2021, Facebook deu 860 mil euros para fact checking

Polígrafo faz apologia à transparência, mas não explica quem são agora os principais financiadores

por Pedro Almeida Vieira // Junho 19, 2023


Categoria: Imprensa

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O único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking, o Polígrafo, comunicou à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que, em 2022, o Facebook deixou de ser um cliente relevante, ou seja, teve um peso inferior a 10% dos rendimentos do ano. Como as receitas de 2022 até aumentaram face a 2021, significa que houve novos financiamentos, de novas e diversas proveniências, mas o Polígrafo não quer revelar quem são. Além de Fernando Esteves, o Polígrafo tem como sócio N’Gunu Tiny, um empresário africano que nos últimos três anos se tem mostrado muito activo em aquisições no sector da comunicação social, tendo criado um grupo (Media9Par) que integra já a Forbes Portugal, o Jornal Económico e o semanário Novo. Fernando Esteves acumula agora a função de director do Polígrafo com a de publisher da Media9Par.


Apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo – o único jornal português que está dedicado em exclusivo ao fact checking – recusa-se a esclarecer se o Facebook deixou mesmo de financiar maioritariamente a sua actividade, ou se apenas omitiu essa informação do Portal da Transparência dos Media da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

De acordo com a informação constante no portal do regulador dos media referente ao ano de 2022, o jornal digital fundado e dirigido por Fernando Esteves deixou de fazer qualquer menção ao financiamento pela rede social de Mark Zuckerberg. Em 2020 e 2021, o Polígrafo recebeu mais de 860 mil euros do Facebook.

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O portal da ERC impõe que as empresas de comunicação social identifiquem os clientes que representem um volume de receitas superior a 10% do total, o mesmo sucedendo para o caso dos detentores de mais de 10% do passivo. O objectivo é mostrar dependências financeiras que possam colocar em causa a liberdade editorial.

Como no ano passado, a empresa detentora do Polígrafo – a Inevitável e Fundamental, Lda. – registou rendimento de 474.994 euros, sem qualquer menção ao Facebook, significará assim, em princípio, que as transferências da rede social detida por Zuckerberg ficaram aquém dos 47 mil euros.

Essa redução do financiamento do Facebook, a confirmar-se – o PÁGINA UM pediu, por três vezes, esclarecimentos ao Polígrafo, sem qualquer reacção –, é muito significativa e surpreendente, porque os rendimentos deste jornal especializado em fact checking até aumentaram ligeiramente entre 2021 e 2022, passando de 421.173 euros para 474.994 euros.

Consultando a informação do portal da ERC, 0 Polígrafo declarou ter recebido em 2021 cerca de 404 mil euros do Facebook (96% do total das suas receitas), enquanto em 2020 recebeu 460 mil euros (87% do total das suas receitas). Como em 2022 as receitas atingiram quase 475 mil euros – e um lucro de 71 mil euros –, seria fundamental, face à política de transparência propalada pelo Polígrafo, conhecer quais foram as fontes alternativas ao Facebook.

Fernando Esteves, fundador e director do Polígrafo dede 2018, é agora também publisher do novo grupo de media criado pelo seu sócio N’Gunu Tiny.

Certo é que os sócios que detêm a empresa gestora do Polígrafo, que sempre se quis caracterizar como um órgão independente, têm estado cada vez mais envolvidos em negócios na área económica e, em particular, da comunicação social. Um dos principiais financiadores do Polígrafo é o empresário N’Gunu Tiny, através da Emerald Group, que nos últimos três anos se tem mostrado muito activo na aquisição de órgãos de comunicação social em Portugal.

De origem são-tomense, filho um antigo embaixador em Portugal (Carlos Tiny), mas com cidadania angolana, N’Gunu Tiny esteve intimamente associado tanto a negócios da família de José Eduardo dos Santos – aliás, comprou a Isabel dos Santos a licença da Forbes Portugal e PALOP em 2021 – como também a Manuel Vicente (ex-CEO da Sonangol e vice-presidente de Angola no período 2012-2017).

Entre Setembro de 2006 e Março de 2018, N’Gunu Tiny ocupou o cargo de Chairman e CEO do Banco Postal de Angola, que viria a ser encerrado por ordem do Banco de Angola no início de 2019. Essa instituição teria como accionista Eduane Danilo Santos, filho do ex-presidente. N’Gunu Tiny foi também consultor jurídico da Sonangol e colaborou com o Banco Privado Atlântico, tendo sido testemunha no julgamento da Operação Fizz, que culminou na condenação do procurador Orlando Figueira.

N’Gunu Tiny, empresário de origem são-tomense, mas com fortes ligações aos poderes angolanos do tempo de José Eduardo dos Santos, tem surgido bastante activo na criação de um novo grupo empresarial de media, através de uma empresa financeira sedeada no Dubai.

Saliente-se também que N’Gunu Tiny teve também uma efémera empresa, denominada E&D Capital Partners Limited, entre Maio de 2013 e Outubro de 2015, de intermediação financeira, com Pedro Pinto Ferreira, considerado testa-de-ferro de Manuel Vicente. Em Setembro de 2018 entrou como sócio na Optimal Investments, uma consultora que tem à frente, entre outros, José Maria Ricciardi (ex-BESI) e Jorge Tomé (ex-BANIF).

No ano passado, N’Gunu Tiny – que detém 40% da Inevitável e Fundamental, sendo que Fernando Esteves controla 60%, através de uma empresa pessoal (Episódio Inédito) com um capital social de apenas 1 euro) – criou uma empresa de media, a Media9Par, para onde tem estado a concentrar as suas novas aquisições: além da Forbes, o Jornal Económico, o Económico Madeira e o Novo.

Neste grupo económico controlado por N’Gunu Tiny, Fernando Esteves acumula agora as funções de director do Polígrafo com as de publisher das publicações, colocando-se assim numa situação de grande ambiguidade. Até porque o Polígrafo, bem como o Viral (dedicado à verificação na área da saúde), se mantêm fora do novo grupo de comunicação social de N’Gunu Tiny, embora sejam apresentados como “parceiros”.

No novo grupo Media9Par, de N’Gunu Tiny, onde Fernando Esteves é publisher, o Polígrafo surge como parceiro.

Recorde-se que a colaboração do Polígrafo com o Facebook, iniciada em 2019, consolidou-se a partir da pandemia da covid-19, onde também se insere o Viral, por via de um polémico programa denominado “Third Party”, ao qual está também associado, em Portugal, o jornal Observador.

Numa notícia do Polígrafo que assinalou a sua entrada na rede internacional de verificadores de factos, a então directora de Políticas Públicas do Facebook para Espanha e Portugal, Natalia Basterrechea, dizia que “combater as notícias falsas é uma responsabilidade que levamos muito a sério, e por isso estamos constantemente a trabalhar em formas de travar a desinformação na nossa plataforma”, acrescentando que “ao expandir o nosso programa de fact-checking em Portugal, ajudamos as pessoas a entender melhor a informação que circula, ao mesmo tempo que reduzimos a disseminação de falsos conteúdos na nossa plataforma”.

Natalia Basterrechea – que agora trabalha como directora de comunicação de Portugal e Espanha para a British American Tobacco e consegue apresentar esta tabaqueira, em entrevista paga, como uma “empresa de bens de consumo de alto crescimento: global, centrada no consumidor e nos colaboradores, multicategoria, que aposta na inovação e na ciência e com a sustentabilidade no centro das nossas ações” – concluía então que no Facebook estavam “muito felizes pelo facto de o Polígrafo se ter juntado ao programa”.

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Durante a pandemia, qualquer informação que fugia à narrativa oficial era tachada pelo Facebook como desinformação. O Polígrafo era um dos “braços armados” em Portugal, através de jornalistas, alguns deles estagiários, sem qualquer formação mínima em Ciência ou em Epidemiologia.

A acção do Polígrafo no controlo da denominada “desinformação” sobretudo em assuntos relacionados com a pandemia sempre esteve envolta em polémica, não apenas por ter sido desenvolvida por jornalistas sem formação em Ciência, mas por uma parceria anunciada e nunca esclarecida com a Direcção-Geral da Saúde, que colocava legítimas dúvidas de isenção e rigor.

Certo é que o Polígrafo, tal como outros parceiros do Facebook, têm um poder ilimitado de classificar como “falsa” um determinado conteúdo, o que implica que a publicação em causa verá a sua exposição reduzir-se de forma muito significativa.

O próprio Polígrafo diz que “páginas que repetidamente sejam identificadas como difusoras de informações falsas têm o seu alcance diminuído e a sua capacidade para angariar publicidade é bloqueada”. Saliente-se que o PÁGINA UM foi já, por diversas vezes, alvo de censura no Facebook por divulgar notícias verídicas, incluindo informação sobre processos judiciais que envolvem o Infarmed ou referências a artigos em revistas científicas.

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O Polígrafo sempre negou que não é controlado editorialmente pelo Facebook, sendo “absolutamente livre para escolher, de acordo com critérios jornalísticos, os conteúdos que entende serem os mais interessantes quer pela sua relevância pública, quer pela sua viralidade”. Contudo, no seu site, o Polígrafo estabelece uma secção autónoma, para fins de controlo, de fact checkings focado em conteúdos do Facebook. Desde 1 de Agosto de 2019 estão já contabilizados 678 artigos feitos no âmbito de uma parceria financeira bastante apetecível.

O PÁGINA UM tentou também saber junto da ERC se, ao invés de ter havido uma redução do financiamento do Facebook ao Polígrafo, a publicação pediu confidencialidade dos dados económicos no Portal da Transparência, mas ainda não obteve resposta. O PÁGINA UM também procurou saber, sem sucesso, se o regulador faz qualquer tipo de fiscalização sobre a veracidade das declarações dos periódicos.

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