bisturi - opinião médica

Um Serviço Nacional de Saúde, dois sistemas…

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As listas de espera têm sido uma das maiores pechas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) quase desde a sua instituição, em 1979.

Curiosamente, a maior parte dos “especialistas da saúde” não entende a razão de ser das listas de espera. Razão que é facílima de explicar: o SNS é uma organização estatista, as instituições são públicas, os trabalhadores são funcionários públicos e a administração é centralizada por comando e controle. Ora, neste tipo de organizações sempre surgiram desencontros entre a oferta e a procura, provocando filas de espera, por vezes para bens de primeira necessidade.

Para tentar minorar o impacto das listas de espera, os Governos – dos diferentes partidos e coligações – organizaram programas especiais como o Programa Especial de Recuperação das Listas de Espera (PECLEC), o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) e agora o Adicional.

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O Adicional, como o nome sugere, começou por oferecer às melhores equipas a possibilidade de preencheram tempos vagos do Bloco Operatório com casos “adicionais”, que eram remunerados extra (à peça). Evoluiu, contudo, para o formato actual em que o hospital designa períodos, que podem ser em qualquer dia da semana (inclusive Domingos), onde os médicos, que assim o pretendam, podem trabalhar à peça, desde que fora do horário de serviço.

Evoluiu para “UM SNS, DOIS SISTEMAS” (parafraseando Deng Xiaoping, “Um país, dois sistemas”). Dentro do horário de serviço, o médico é um funcionário do Estado; e fora do horário de serviço, mas sempre dentro do SNS, é um freelancer pago à peça.

Ora, o que é que pode correr mal neste arranjo, que tem o alto patrocínio do Ministério da Saúde?

E se… os profissionais “travassem a produtividade” nas horas de serviço e “acelerassem a fundo” no adicional?

E se… desnatassem a seleção de casos para o adicional (selecionando os casos mais fáceis)? E se… usassem técnicas diferentes na rotina e no adicional?

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Vale a pena fazer este clássico “What If”, quando nos chegam ecos de Domingos de Adicional preenchidos com dezenas de casos e períodos de rotina com o Bloco Operatório meio-vazio. Serão apenas rumores sem fundamento ou haverá algo indecoroso que se está a passar.

Como médico, ficaria surpreendido que um colega fizesse depender a sua praxis da remuneração. Como gestor, ficaria surpreendido que as administrações fechassem os olhos a abusos que defraudassem o SNS, onerando o custo de cada intervenção (não esquecendo que há também a cegueira da corrupção). Como cidadão ficaria escandalizado com os cambalachos a céu aberto.

O meu desejo é que os incentivos perversos inscritos no ADN do Adicional não tenham dado lugar a “What If”. Já há demasiados problemas no País.

Joaquim Sá Couto é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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