Regibusiness tinha, em finais de 2021, mais de 9 milhões de lucros acumulados

Associação Sara Carreira não diz se empresa (bem) lucrativa de Tony Carreira é mecenas e se transferiu património para benefícios fiscais

por Pedro Almeida Vieira // Junho 23, 2023


Categoria: Exame

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Para evitar promiscuidades e uso indevido de associações para fuga a impostos, a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública exige que haja a máxima transparência, independentemente das causas nobres que defendam. Mas para a Associação Sara Carreira, criada em memória da malograda filha de Tony Carreira, o Governo não exigiu sequer o tempo mínimo de actividade previsto na lei (três anos) nem a divulgação de contas. Assim, fica-se sem saber se a empresa familiar Regibusiness, presidida pelo próprio Tony Carreira, e que registava em finais de 2021 lucros acumulados em capital próprio de mais de 9 milhões de euros, fez alguma transferência patrimonial para a Associação Sara Carreira, de modo a beneficiar de isenções fiscais por via do estatuto de utilidade pública. Até porque, na verdade, está tudo em família: os três administradores da Regibusiness (Tony Carreira, a sua ex-mulher Fernanda Antunes, e o filho Mickael Carreira) controlam também a Associação Sara Carreira.


A sociedade anónima controlada e presidida por Tony Carreira, a Regibusiness – Investimentos Imobiliários, obteve um lucro líquido superior a 2,2 milhões de euros entre 2019 e 2021, mas a Associação Sara Carreira recusa-se divulgar se já alguma vez recebeu qualquer donativo ou procedeu a qualquer transferência patrimonial proveniente dessa empresa.

A Regibusiness foi criada em 2006 por Tony Carreira e a então sua mulher, Fernanda Antunes, e é formalmente uma sociedade anónima, embora detida pela família deste popular cantor. E embora tenha como objecto a gestão imobiliária, controla também a empresa de espectáculos de Tony Carreira, a Regi-Concerto, detendo 98% do capital social. A posse dos restantes 2% é de Fernanda Antunes.

A gestão da Regibusiness e a Associação Sara Carreira é comum. Os administradores da Regibusiness são, actualmente, Tony Carreira, que preside, a sua ex-mulher, Fernanda Antunes, como administradora-delegada, e o seu filho e também cantor Mickael Carreira. Todos os três são fundadores e dirigentes da Associação Sara Carreira, integrando a sua direcção. O também cantor David Carreira é um outro dos dirigentes da Associação Sara Carreira, embora não participe na gestão da Regibusiness.

Por via da obtenção do estatuto de utilidade pública em Dezembro do ano passado, em tempo recorde, e sem sequer necessitar de divulgar contas e relatório de actividades – algo que impediria, só por si, a possibilidade de requerer aquele estatuto –, a Associação Sara Carreira passou a usufruir de um vasto conjunto de isenções, não pagando imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e imposto municipal sobre imóveis (IMI), impostos sobre o rendimento de pessoas colectivas (IRC) e até isenção de taxas associadas a espectáculos e eventos públicos. E também obter os proveitos da consignação de 0,5% do IRS.

A recusa da Associação Sara Carreira em esclarecer se existem relações patrimoniais entre si e a empresa Regibusiness (ou a Regi-Concerto) não é legalmente aceitável, nem pugna pela transparência exigível para uma entidade que desenvolve causas nobres, e ademais sabendo-se estar intimamente ligada a um evento trágico.

Tony Carreira e os dois filhos, David e Mickael Carreira. Os três são, com Fernanda Antunes, dirigentes da Associação Sara Carreira. E, com excepção de David são também administradores da lucrativa empresa familiar Regibusiness.

Com efeito, sendo agora uma associação com o estatuto de utilidade pública, tal implicaria obrigações de transparência, nomeadamente a divulgação de contas, algo que nunca sucedeu – e tendo em consideração as vantagens que a Associação Sara Carreira detém neste momento, eventuais transferências patrimoniais a partir da Regibusiness ou da Regi-Concerto podem ser extremamente apetecíveis para obtenção de benefícios fiscais.  

Certo é que, pela consulta dos registos oficiais, a sede da Associação Sara Carreira coincide com a da Regi-Concerto, o número 5-A da Rua Hernâni Cidade, na Charneca da Caparica. Saber se se trata de mera cedência da Regi-Concerto à associação, ou se houve transferência de propriedade não é apenas uma curiosidade jornalística.

Se houve ou houver transferência patrimonial da esfera da Regibusiness para a da Associação Sara Carreira agora com um estatuto de utilidade pública mas estatutos blindados – um acto pacífico por ambas serem completamente controladas pela família de Tony Carreira –, as vantagens fiscais seriam avultadas. Em hipótese, passando activos da empresa para uma associação de utilidade pública, os rendimentos decorrentes desses activos passariam a estar isentos de impostos e taxas. Por exemplo, os edifícios detidos ou comprados deixavam de pagar IMI e IMT, e não haveria lugar a pagamento de IRC. Aumentando o património, o passo seguinte seria a criação de uma fundação, com ainda maiores vantagens fiscais.

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Saliente-se que, mesmo tendo a pandemia afectado a actividade de Tony Carreira, a sua empresa familiar regista uma excelente saúde financeira, com lucros de quase 1,3 milhões de euros em 2019, de 383 mil euros em 2020 e de 600 mil euros em 2021. Ainda não estão disponíveis as contas de 2022, mas será expectável que se aproximem dos valores pré-pandemia.

Consultando as demonstrações financeiras de 2021, a Regibusiness detinha então um capital próprio de 9,64 milhões de euros, dos quais 1,6 milhões de reservas e 5,8 milhões de resultados transitados. Ou seja, lucros acumulados que os sócios – Tony Carreira e sua família – decidiram não distribuir.

Isto não significa que os sócios tenham prescindido de obter outro tipo de dividendos perante os bons ventos financeiros da Regibusiness. Segundo se observa pelo balanço e demonstração de resultados, usaram um esquema que, sendo legal, só se mostra exequível em sociedades onde existe confiança absoluta entre os sócios ou accionistas.

Com efeito, estão contabilizados 1,12 milhões de euros que a Regibusiness emprestou aos seus associados, ou seja, aos membros da família de Tony Carreira. em condições e prazos que apenas dizem respeito à gestão da empresa. Em todo o caso, verifica-se que os empréstimos foram realizados sem aplicação de juros. Este expediente evita, de imediato, qualquer tipo de tributação em sede de IRS, o que sucederia se Tony Carreira e seus familiares optassem pela distribuição de dividendos.

Além disto, a Regibusiness terminou o ano de 2021 com depósitos bancários de quase 760 mil euros, não havendo também indicação de que tenha havido qualquer transferência em dinheiro para a Associação Sara Carreira.

Aliás, como ontem o PÁGINA UM divulgou, as contas da Associação Sara Carreira são desconhecidas, e há uma quase completa ausência de referências sobre os montantes das suas campanhas de beneficência assim como dos recebimentos dos mecenas e apoiantes. No caso das bolsas atribuídas pela associação a jovens carenciados – numa parceria com a SIC –, ignora-se qual o montante de apoio efectivo. Quanto aos mecenas, apenas se conhece o valor do donativo (100 mil euros) concedido em Fevereiro deste ano pelo Grupo DS.

Além desta empresa, mas com montantes desconhecidos, são considerados mecenas a Missão Continente, a Altice, a Fundação Santander e a SIC, sendo também elencadas outras 12 empresas como apoiantes e seis como parceiras. A Associação Sara Carreira tem também, na realização de uma gala anual transmitida pela SIC, e num tour solidário do próprio Tony Carreira, em parceria com a Missão Continente, outras fontes relevantes de receitas.

Quanto tudo isto envolve? Não se sabe, mesmo se a lei diz que teria de se saber, uma vez que a Associação Sara Carreira quis ter o estatuto de utilidade pública, para benefício próprio.

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