Em 2019, a APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso apresentou, na Assembleia da República (com mais de 25.000 assinaturas de apoio) uma Proposta de Amnistia e Perdão de Penas que, ao contrário do propalado por alguns extremistas de direita, não tem, com objectivo, “branquear o crime” mas, tão só, tentar fazer Justiça.
A explicação é simples:
Um Juiz, ao condenar um cidadão a uma pena de prisão, com base no Código Penal, fá-lo no cumprimento escrupuloso da Lei mas, também, na convicção de que o condenado irá cumprir a sua pena conforme o estipulado pela mesma Lei.
Ora, como é sabido, essa convicção não corresponde à realidade, já que as penas são cumpridas de um modo muito mais gravoso.
Isto porque, as instalações físicas das nossas prisões, salvo raríssimas excepções, são medievais e impróprias para Seres Humanos.
Celas que deveriam ser individuais estão com dois presos, as camaratas superlotadas, a água a escorrer pelas paredes, os fios eléctricos descarnados.
Ali existe todo o tipo de pragas (pulgas, percevejos, etc.) e, os reclusos têm de tapar, à noite o buraco das sanitas, com garrafas de água, para as ratazanas não invadirem o seu espaço.
Quanto à alimentação, bastará dizer que o Estado paga, à empresa que as fornece, 0,80 € por cada refeição, para se perceber a sua quantidade e qualidade.
Os cuidados de saúde são medíocres e as cadeias estão repletas de reclusos doentes, muitos deles gravemente, alguns em estado terminal.
A maioria dos presos não consegue trabalho com que ocuparem o tempo, e lhes dê algum dinheiro, para as suas necessidades básicas, e os que o conseguem auferem dois euros por dia, dos quais só um lhes é entregue ficando, o outro, num “fundo de reserva”.
A possibilidade de estudarem é quase impossível por falta de meios (são proibidos, por exemplo, os computadores) e, até, de espaço apropriado.
Com base neste cenário, cuja culpa pertence, em exclusivo, ao Estado e aos diversos Governos das últimas décadas, considerou a APAR que seria justo que os deputados aprovassem um perdão que retirasse algum tempo de prisão aos condenados.
Mais concretamente, um ano de prisão a todas as penas até seis anos e mais dois meses por cada ano além desses seis.
Deputados extremistas, sem surpresa, ficaram revoltados gritando, a plenos pulmões, que a Justiça só é efectiva se a Lei for cumprida e, logo, as penas deveriam ser cumpridas na íntegra.
Uma verdade incontestável SE a Lei de Execução de Penas fosse, também ela, integralmente cumprida.
Houve, até, um deputado do partido “Chega” que disse, no Plenário da Assembleia da República, que “os presos deviam apodrecer nas cadeias”.
Disse isso sem perceber que uma estupidez destas ajudava ao apodrecimento da democracia.
Principalmente porque a disse na Casa que representa esta.
O líder deste mesmo partido já tinha dito, num debate eleitoral, “que não haveria mal nenhum se cortassem as mãos aos ladrões”.
Levassem isto a sério e ele correria o risco de ser o líder de um partido de manetas.
Enquanto o pedido da APAR continua, sem resposta, a aguardar o apoio dos senhores deputados, o Governo apresentou, na Assembleia da República, uma caricatura de amnistia, para jovens dos 16 aos 30 anos e que, dada a quantidade de restrições aos crimes abrangidos, poderá levar à libertação de umas dezenas deles.
Esta é decisão tomada pelo Governo que, ao contrário do que se espalha aos quatro ventos, é aquele que mais amnistias concede na Europa.
É verdade que o último que abrangeu os presos “comuns” data de 1999, há 24 anos.
Mas temos de pensar naquelas que se fazem sem publicidade numa tentativa de passarem despercebidas.
Basta pensar nas amnistias a dívidas fiscais e nos perdões às dívidas à Banca do Estado.
Mas, aí, não se trata de perdoar “bandidos” que roubam supermercados, ou conduzem sem carta de condução, ou insultam agentes da autoridade quando ébrios.
Estes, como não têm condições para ajudar alguns partidos nos momentos das campanhas eleitorais, servem para dar razão a quem diz que as autoridades estão atentas.
Razão tinha Almada Negreiros quando dizia que “Portugal não é um país, mas um sítio. E, ainda por cima, mal frequentado”.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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