EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA

Tedros, o super-herói, e Froes, o super-Onan

boy singing on microphone with pop filter

por Pedro Almeida Vieira // Junho 28, 2023


Categoria: Opinião

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Não foi a primeira vez que Tedros Adhanom Ghebreyesus, o director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), recebeu um doutoramento honoris causa. Nem será a última, com a cerimónia hoje na Universidade de Coimbra.

Antes da pandemia, já ele coleccionara pelo menos três: um pela Universidade sueca de Umea, em 2018, e as outras duas em instituições de ensino superior inglesas: Universidade de Nottingham e Universidade de Newcastle, ambos em 2019.

Depois do surgimento da covid-19 foi ele já distinguido por mais quatro vezes. Em Julho do ano passado, pela Universidade de Edimburgo, na Escócia. Já este ano foi a vez da Universidade de Pretória, na África do Sul, e da Universidade Mediterrânica da Albânia lhe darem o consolo de mais honoris causa, antes da Universidade de Coimbra.

Tudo isto é banal, e não deveria causar-nos assim tanta celeuma ver uns universitários a entreterem-se a atribuir honoris causa a torto e a direito, muitas vezes não por razões científicas ou intelectuais mas mais por causas de índole pessoal ou política que beneficia mais quem entrega do que quem recebe.

Enfim, vanitas vanitatum et omnia vanitas. Já vi bem pior, como, por exemplo, agraciar Gouveia e Melo com um honoris causa pela Universidade Nova de Lisboa apenas pela sua “eficácia” como operador de logística de um fármaco, cuja administração até envolveu crianças e jovens saudáveis que nunca precisariam do dito.

Por isso, debater o polémico passado público e político, como governante etíope, de Tedros Adhanom Ghebreyesus não me interessa demasiado para o caso em apreço. Talvez interessasse mais saber a falta de coragem da OMS em apurar a verdadeira origem do SARS-CoV-2, por exemplo.

Ou a própria gestão caótica e ineficiente da OMS, que jamais teve liderança na pandemia, e ademais mostrou-se incapaz de manter sem constrangimentos os programas de rotina de vacinação para doenças evitáveis e de apoio sanitário em países subdesenvolvidos.

Falhou rotundamente, e em franjas da população mundial com elevadíssimas taxas de mortalidade infantil. Por exemplo, em Julho de 2021, a própria OMS e a UNICEF revelaram que 23 milhões de crianças perderam as vacinas básicas, mais 3,7 milhões do que em 2019. Mais recentemente, a UNICEF relatou que os níveis de vacinação infantil (segura) para doenças evitáveis desceu para níveis de 2008.

Também poderia questionar como é possível a OMS ter recentemente aceitado eleger um representante da Coreia do Norte para o seu Conselho Executivo.

Ou também debater a influência das farmacêuticas e de organizações supostamente beneméritas mas com demasiada influência supranacional no seio da OMS, que se prepara para ter a tutela “política” em futuras pandemias.

Mas não. Interessou-me mais, por puro entretenimento de uma hora e meia, assistir à sessão encomiástica ao director-geral da OMS na vetusta Universidade de Coimbra, vestida a rigor, com capelos e verdeais, e música, e toda a parafernália que nos remeteu quase aos tempos do rei D. Dinis.

Nem de propósito, a alusão às Cortes régias faz aqui todo o sentido, porque ali sempre foram apreciadas tanto os bobos como os cortesãos. Os primeiros, com as galhofas, entretinham; os segundos, com as lisonjas, também.

Ora, ambos os papéis ficaram, nesta sessão da Universidade de Coimbra, a cargo do pneumologista Filipe Froes, o médico com mais relações promíscuas com farmacêuticas, que se consegue livrar das consequências de um processo disciplinar da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde com um “veto de gaveta” patrocinado pelo ministro da Saúde, e que tem artes e manhas para continuar a ser ouvido pela comunicação social mainstream. O facto dessa comunicação social ter cada vez mais relações comerciais com as farmacêuticas é apenas uma coincidência…

Mas não fujamos do foco. Filipe Froes foi escolhido para o elogio académico do director-geral da OMS na entrega do doutoramento honoris causa pela Universidade de Coimbra. Aconselho vivamente o visionamento, a partir do minuto 23, porque estamos perante não propriamente um Discurso do Rei mas sim perante um Discurso do Hipócrita. Froes é, de facto, um personagem. Um François Vatel do século XXI, sem a parte do suicídio, que adula e encanta “cozinhando” o seu “peixe”. Se salva vidas como pneumologista, não sei – acredito que sim. Mas ressuscita seguramente mais egos com a sua léria.

A minha passagem predilecta na sua louvaminha ao Tedros é, confesso-vos, aquela em que compara a acção do director-geral da OMS ao Santo António do sermão aos peixes do Padre António Vieira.

Disse ele, sem se rir, que Tedros “não necessitou da alegoria de se dirigir aos peixes para falar aos homens e às mulheres”; falou, actuou e interveio directamente “para enaltecer o valor sagrado da vida humana, de todas as vidas humanas, e para alertar os perigos da corrupção, da vaidade, do egoísmo, da intolerância, da prepotência e sobretudo da ignorância muitas vezes com a ilusão do conhecimento”. Eis um tratado da hipocrisia em poucos segundos.

Depois, elogiando Tedros como “salvador” de milhões de vidas, e investido de engenho camoniano, Flipe Froes amaciou a glande política do Governo, ao glosar que “também aqui Portugal honrou a sua História e o seu passado de glória, e foi pioneiro em mostrar ao Mundo, por mares dantes pouco navegados e tumultuosos, o caminho para a vacinação e para a mitigação de um pandemónio que tanto atormentou o Mundo”.

Mas isto da erudição cansa, e portanto Froes não podia deixar de fazer o papel de truão, concluindo que “numa linguagem mais próxima dos tempos e, sobretudo, dos jovens de hoje, se a OMS foi a Guardiã Planetária e a Estrela da Vida, Tedros Adhanom Ghebreyesus foi o nosso Super-Herói”.

E Filipe Froes foi e será sempre o nosso Super-Onan. O nosso masturbador-mor.

Longa e boa vida terá, que o mundo sempre lhe concederá, portando-se assim, boas prebendas e melhores sinecuras, porque isto anda bem para quem se banqueteia, como já dizia Erasmo de Roterdão.

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