VISTO DE FORA

Santa Maria, a minha (e a vossa) ilha desconhecida

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por Tiago Franco // Junho 29, 2023


Categoria: Opinião

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Olho todos os dias para estas paisagens e penso na sorte que tive. Não nasci aqui, não tinha familiares por perto e vim cá parar nas asas do destino, quando o meu pai aceitou uma vaga de trabalho no aeroporto local, ali a meio da década de 80.

Falo de Santa Maria, uma das mais pequenas e desconhecidas ilhas dos Açores.

Bem sei que a vida é uma estrada que se vai definindo a cada nova bifurcação (embrulha Gustavo Santos), mas há claramente escolhas mais felizes do que outras.

Ter vindo aqui parar, ainda por cima por decisão alheia, foi uma daquelas coincidências do destino que acabou por marcar a minha vida até aos dias de hoje.

Tornou-se viral um vídeo de um casal na Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL) deste ano a dizer que dos Açores só conheciam as vacas. Não sabiam quantas ilhas formavam o arquipélago e até o Funchal incluíram na deprimente descrição de localidades a não perder.

Saltando, por agora, um conceito que o meu avô paterno usava muito quando eu não sabia fazer qualquer coisa numa obra conjunta – “afinal o que foste fazer para a escola?” –, este desconhecimento das ilhas açorianas sempre foi para mim um mistério.

Portugal tem um dos destinos de Natureza mais bonitos e imaculados do Mundo. Para muitos de nós, os Açores são uma espécie de Triângulo das Bermudas. Passamos lá por cima a caminho da República Dominicana, e das suas águas temperadas, onde nos espera uma semana trancados em resorts, sem saber que ali, em território português e graças ao microclima, temos águas mornas, Verões pouco agressivos e Invernos que não aleijam.

Quem por norma sabe qualquer coisa do arquipélago fala dos Açores referindo-se à sua maior ilha, São Miguel. Já não é mau.

A série Rabo de Peixe, transmitida pela Netflix, veio, espero eu, despertar alguma curiosidade pela região. Nunca percebi como é que o turismo por estas paragens se manteve tão modesto ao longo das décadas. Não sei se é a falta de promoção, desconhecimento da população ou simples desinteresse, mas é um mistério, para mim, a razão de tanta beleza natural receber tão pouca atenção.

Não é que turismo de massas interesse a alguém, mas sempre pensei que se estas ilhas fossem espanholas, italianas ou francesas estariam em todos os roteiros do Planeta. 

Perdi a conta ao número de vezes que expliquei a portugueses e estrangeiros onde fica Santa Maria. Uma das mais pequenas e, ainda assim, mais completa ilha dos Açores.

O sítio onde a qualidade de vida é garantida para médicos e engenheiros, padeiros e mecânicos, professores e lavradores. Não é que os salários sejam diferentes do resto do país, entenda-se.

A vida é que é mais barata. Não há portagens, EMEL ou filas para a ponte. O combustível é mais barato e rende mais quando a maior estrada tem apenas 20 quilómetros.

Os impostos são mais baixos para compensar a insularidade. A habitação, em muitos casos, passa de geração em geração. Há emprego que chega a quase todos. Leva-se a vida com tranquilidade, vendo uma cara conhecida a cada dois passos.

Curiosamente, andando por estas estradas nos meses de Verão, identifico mais estrangeiros, daqueles com botas e mochilas, do que propriamente portugueses. Mais depressa um reformado de uma aldeia alemã descobre Santa Maria do que um habitante de Amarante.

A apenas duas horas de Lisboa está um paraíso onde, no mesmo dia, se pode fazer um trilho pedestre na montanha, tomar banho numa praia deserta, ver jamantas no seu habitat natural e beber uma cerveja de fabrico artesanal local. Nunca percebi, que me perdoem os adeptos do Algarve, como é que passam uma vida a ir para Albufeira sem tentarem, com bilhetes de avião ao preço das portagens, descobrirem o que este arquipélago tem para oferecer.

A parte que me fascina mesmo em Santa Maria é a excelência das baías. Falamos de uma ilha muito pequena que terá, provavelmente, algumas das melhores praias do país. Em quase toda a parte se avista o mar. Esse luxo, pelo qual lutamos em outras partes do território, aqui é apenas um dado adquirido.

Até nessa parte dos acasos da vida, acho que tive sorte. Das nove ilhas ter-me calhado na rifa a pequena e peculiar Santa Maria, foi bom. Tudo o que aqui acontece é exactamente o oposto da minha jornada enquanto emigrante e, também por isso, o equilíbrio se tornou perfeito. Há calma, companheirismo, tempo para tudo, braços amigos, gente que faz adeus do outro lado do passeio. 

Da janela vê-se a montanha e o mar. Em 20 minutos chegamos a quase todo o lado. Come-se bem e barato. O mar e a terra dão quase tudo. As caras com quem corremos no jardim da escola são as mesmas que sorriem, hoje, quando passamos por elas.

Depois de 17 anos a ver olhos nórdicos que apontavam ao chão, estar em Santa Maria, na pequena e familiar Santa Maria, é um bálsamo para a alma.

Voos diários ligam o continente português ao arquipélago dos Açores, com encaminhamentos grátis para todas as ilhas. Grátis, meus amigos. Grátis.

Este Arquipélago e esta ilha, se me é permitido puxar um pouco a brasa, oferecem paisagens e experiências que normalmente só vemos nos documentários da BBC. A minha vida mudou há 39 anos quando aqui pisei pela primeira vez num Verão de boas memórias, a tempo de ver o Carlos Lopes vencer aquela medalha de ouro em Los Angeles. Nem sempre fiquei por cá, é verdade, mas nunca deixei de voltar e de ir, aos poucos, ligando o meu percurso de vida a esta pequena ilha.

Experimentem. Em princípio vão gostar. E voltar.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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