20 euros de Durão Barroso e José Luís Arnaut dão 216 mil euros de receitas
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Para ajudar a organizar em Portugal a reunião do Clube de Bilderberg em Maio passado, Durão Barroso e José Luís Arnaut juntaram 20 euros e criaram uma empresa. No primeiro ano, em 2022, não se saíram mal: através de prestação de serviços (não conhecidos) amealharam quase 216 mil euros para suportar gastos do encontro de verdadeiros influencers de um mundo globalizado. E ainda pagaram impostos. O PÁGINA UM revela, em primeira mão, as contas de 2022 da Bild, a novel empresa de organização de eventos dos dois antigos governantes.
Já foram mais secretas – e também selectas –, mas nunca deixaram de arrastar uma aura de mistério e conspiração. As reuniões anuais do Clube de Bilderberg, um grupo de elite de políticos e empresários – ou de ex-políticos que se tornaram empresários, e também de empresários que rondam a política – servem, oficialmente, apenas para debater assuntos de interesse global.
No site do Bilderberg Meetings afiança-se que as reuniões constituem apenas “um fórum para discussões informais para promover o diálogo entre a Europa e a América do Norte”, congregando “aproximadamente 130 líderes políticos e especialistas da indústria, finanças, trabalho, academia e media”, segundo regras específicas: os participantes são livres de usar as informações recebidas, mas nem as identidades nem as afiliações dos palestrantes ou de qualquer outro participante podem ser reveladas.
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Como os encontros são privados, no site diz-se ainda que “as participações são individuais e não em representação de qualquer função oficial”, não havendo assim agenda detalhada, nem nenhuma resolução e muito menos votação ou declaração política.
Mas a tradição já não é o que era, e sobretudo nos últimos anos começaram a ser divulgadas as presenças mais sonantes – e sobretudo os convites a portugueses, primeiro sob a “égide” de Francisco Pinto Balsemão, e mais recentemente de Durão Barroso – e mesmo a lista de temas em discussão.
Por exemplo, além de personalidades estrangeiras, a mais recente reunião em solo nacional – a anterior tinha ocorrido em 1999 – contou com um vasto contingente lusitano: além dos habitués Balsemão, Durão Barroso e Arnaut, foram convidados os directores executivos da EDP (Miguel Stilwell de Andrade), da Galp (Filipe Silva), da Feedzai (Nuno Sebastião) e da Zeno Partners (Duarte Moreira).
E até os gastos são revelados?
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Neste último caso, convém não exagerar. Os financiamentos dos chamados Bilderberg Meetings não são propriamente públicos. De acordo com o Clube de Bilderberg, “as contribuições anuais dos membros do Steering Committee [actualmente com 32 membros, entre os quais o português Durão Barroso] cobrem os custos anuais de um pequeno secretariado”, para suportar despesas administrativas e de pessoal.
Já em relação à reunião anual, as responsabilidades cabem ao denominado Comité Director do país anfitrião, não havendo taxa de participação, embora os convidados custeiem, segundo o site do Bilderberg Meetings, os “seus próprios custos de viagem e acomodação”.
Assim, para a reunião deste ano em Lisboa, entre 18 e 21 de Maio, ao que tudo indica no Hotel Pestana, a reunião anual do Clube de Bilderberg contou com uma novel empresa de organização de eventos na rectaguarda: a Bild – Encontro Internacional 2023, Lda..
Criada em 11 de Março do ano passado, esta empresa tem uma génese curiosa, pois conta como sócios duas figuras portuguesas de destaque: José Manuel Durão Barroso – actual presidente (Board Chair) da Gavi – The Vaccine Alliance, ex-presidente da Goldman Sachs, ex-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro português – e o “seu” ministro adjunto José Luís Arnaut.
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Tendo como objecto social a “organização, produção e promoção de eventos”, a Bild, Lda. constituiu-se com um capital social de uma refeição de tasca: Barroso deu 10 euros; Arnaut outros 10. Na verdade, Arnaut deu mais: a Bild está sedeada na selecta Rua Castilho, no número 50, ou seja, nas instalações da conhecida sociedade de advogados CSM Rui Pena & Arnaut, da qual o ex-ministro de Durão é managing partner.
Recorde-se que Arnaut é, além de consultor da Goldman Sachs, o presidente da ANA – Aeroportos de Portugal e ainda preside à Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol.
Embora se desconheça em concreto as actividades da Bild até à realização da reunião do Clube de Bilderberg em Maio deste ano, uma vez que José Luís Arnaut não respondeu ainda às questões colocadas pelo PÁGINA UM, pode-se em todo o caso garantir que Portugal bem melhor estaria se só tivesse empresários tão produtivos como os sócios desta empresa.
Com efeito, apenas com os saberes de Arnaut e Barroso, e sem empregados oficiais, a Bild conseguiu, a partir de 20 euros de capital social, trazer um rendimento de 215.813 euros por prestação de serviços ao longo de nove meses de 2022. Quais foram os clientes, ou o serviço prestado, não se sabe, mas uma coisa é certa: não foi por donativos, conforme se observa nas demonstrações financeiras da empresa a que o PÁGINA UM teve acesso.
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Sendo expectável que a Bild tenha tido mais rendimentos este ano, e também gastos, o ano passado trouxe também já muitas despesas, mas nem sequer foi em salários. Quase todas as despesas resultaram de pagamentos a fornecedores e serviços externos. A demonstração de resultados de 2022 aponta para gastos de cerca de 153.520 euros. Curiosamente, nos gastos não se vislumbram despesas para reforçar activos. Na verdade, a empresa não tem um cêntimo em activos tangíveis ou outros activos não correntes.
No meio disto, o Estado não se pode queixar destes investidores de 20 euros: a empresa de Durão Barroso e José Luís Arnaut teve um resultado operacional positivo superior a 62 mil euros, o que implicou, para já, o pagamento de 13.081 euros em impostos. Mas faltam ainda as contas de 2023, e saber se a empresa se dissolverá logo a seguir.
Nas contas consultadas pelo PÁGINA UM diz-se, contudo, que, apesar de “a economia revela[r] atualmente um enorme estado de incerteza, cuja duração e consequências são ainda imprevisíveis”, os gerentes da Bild (Durão Barroso e Arnaut) defendem que “com os elementos disponíveis, consideramos que estão criadas as condições operacionais para a manutenção da atividade da Empresa, estando assegurados os compromissos financeiros assumidos.” Promessas, contudo, são promessas…