Apresentada como uma reportagem de investigação pela jornalista Raquel Matos Cruz (CP 7077), o Repórter TVI do passado dia 21 de Junho, em horário nobre, intitulado “Júnior, o milionário improvável”, da autoria da jornalista Conceição Queiroz (CP 7851), não é apenas uma peça antológica de péssimo jornalismo.
É sobretudo um retrato cruel da imprensa sem ética, sem moral, sem responsabilidade, que deveria envergonhar qualquer jornalista, sobretudo os bons, onde se incluirá os bons que ainda haverá (não sei por quanto tempo) pela TVI. Cada dia que passa sem que ninguém na TVI se pronuncie sobre “aquilo” é um prego no caixão do moribundo jornalismo lusitano.
A suposta reportagem, recordemos, começou pela boca de Raquel Matos Cruz, que a apresenta. O texto, também escrito, e ainda agora disponível no site da TVI, e guardado aqui, continua sem qualquer nota ou aviso, e é exemplar:
“Ao longo dos últimos anos as criptomoedas, sobretudo a bitcoin, já fizeram muitas fortunas. Este é também um mercado perigoso por ser extremamente volátil e de risco muito elevado, onde basta um instante para perder tudo. O português Renato Júnior teve a sorte, e naturalmente a sabedoria para sobreviver às oscilações deste mercado e para hoje viver faustosamente às custas da bitcoin.
Tem 29 anos e é um exemplo de quem conseguiu singrar no mercado da moeda virtual. Deixou a escola para trás e aos 17 anos emigrou para o Canadá, onde foi trabalhar nas obras. Com o dinheiro que amealhou investiu num computador e num telemóvel e esta foi a porta de entrada para o mundo do dinheiro digital.
Começou com um investimento de 100 euros. Atualmente, vive no Dubai e é de lá que gere um negócio de milhões. Para trás fica uma infância nem sempre fácil de um rapaz que fintou o destino.
Esta é a história de Renato Júnior: o milionário improvável.”
Toda a peça retrata Renato como um herói, e aquilo que mais salta à vista é a ausência de confirmação sobre tudo aquilo que diz, e sobretudo sobre a empresa e actividade (supostamente legal) que diz desenvolver.
A jornalista Conceição Queirós aparenta não ter procurado saber se a empresa tinha registos, se era credível, se era reconhecida por entidades reguladoras, se havia clientes satisfeitos ou insatisfeitos. Nada.
Aquilo que a jornalista Conceição Queirós, a sua coordenadora, a também jornalista Raquel Matos Cruz, e, enfim, o director da TVI, o também jornalista José Eduardo Moniz – que tem uma das mais antigas carteiras profissionais no activo, a número 71 – permitiriam com a emissão desta reportagem foi promover uma quase certa fraude, a atender pelo que se observa no site do suposto Digital Bank Labs.
Os incautos, que foram no canto da sereia da reportagem da TVI, podem bem cair no logro de investir milhares de euros – aliás, o mínimo do “investimento” é de 10 mil euros, segundo o site da dita Digital Bank Labs – numa suposta empresa de um “herói” (com uma fortuna “avaliada acima de um bilião de dólares americanos”, segundo as palavras do próprio) que, na verdade, nem contacto nem escritório físico possui ou é conhecido.
E, agora, quando se procura um contacto no site, surge o aviso “We’re experiencing Over Demand and it’s impossible to contact us at this moment, please come back later”.
Ainda se poderia acreditar numa ingenuidade quer da jornalista Conceição Queirós – que mal disfarçou, ao longo da reportagem, a sua alegria pela estada no Dubai no meio daquele suposto luxo adquirido pelas bitcoins, ao ponto de até agradecer e desejar felicidades ao Renato – quer da sua coordenadora quer do director da TVI.
Embora não seja nada agradável, até por se ter sempre responsabilidades nem que seja por negligência, ninguém no jornalismo está livre de ser ludibriado. Mas uma coisa é ser enganado, outra é não admitir erros e manter tudo como se nada se tivesse passado de anormal.
Passou sim, e tudo aquilo é absolutamente anormal.
Uma dezena de dias após a emissão de uma vergonhosa reportagem que vergasta a verdadeira investigação jornalística – e sabendo-se o quão improvável é a legalidade dos “negócios” de Renato Duarte Júnior (e do seu obscuro Digital Bank Labs) no mundo dos cripto-activos, e sabendo-se ainda da abertura de um procedimento por parte da ERC, e sobretudo os avisos formais da CMVM e do Banco de Portugal –, o silêncio e a inacção da TVI é intolerável.
Ou talvez não. Afinal, já tudo é tolerável quando o jornalismo se mostra deplorável.