Ontem, no Dia da Independência dos Estados Unidos, um juiz federal do Estado da Louisiana colocou um travão à censura nas redes sociais e determinou que o Governo não poderá pressionar nem estabelecer parcerias com as gigantes tecnológicas para retirar ou restringir publicações e conteúdos nas suas plataformas. Esta conduta intensificou-se, nos Estados Unidos e na Europa durante a pandemia de covid-19, sob o pretexto do combate à “desinformação”.
Um juiz federal do Estado norte-americano da Louisiana proibiu, com efeito a partir de ontem, que a Administração Biden estabeleça acordos com as gigantes tecnológicas – como o Twitter, o Youtube e o Facebook – para que sejam censurados ou restringidos conteúdos nas suas plataformas – uma prática que se intensificou durante a pandemia de covid-19.
A decisão do juiz Terry A. Doughty – nomeado durante a administração de Donald Trump em 2017 – concedeu razão aos apelos, como queixosos, dos Estados da Louisiana e do Missouri e ainda a cinco particulares, entre os quais o bioestatístico sueco Martin Kulldorff e o norte-americano Jay Bhattacharya.
Tal como outras personalidades, estes conceituados investigadores – o primeiro é professor da Harvard Medical School e o segundo professor da Universidade de Stanford – foram alvo de intensas campanhas de difamação e de censura nas redes sociais por apresentarem, com informação científica, opiniões contrárias às da Organização Mundial da Saúde.
Além de Joe Biden, a proibição abrange quatro dezenas de pessoas associadas à Administração Biden e ainda 11 entidades públicas, entre as quais o National Institute of Allergy & Infectious Diseases – que foi presidido por Anthony Fauci, durante a pandemia –, o Federal Bureau of Investigation (FBI), o Centers for Disease (CDC), o Food & Drug Administration (FDA) e diversos departamentos federais. Todos ficam agora impedidos de contactar as plataformas digitais com “o propósito de incitar, encorajar, pressionar ou induzir de qualquer maneira a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida”.
Nesta medida cautelar (preliminary injunction), revelada num documento de 155 páginas, o juiz determinou ainda a proibição de as agências governamentais “sinalizarem publicações específicas às plataformas digitais, ou solicitarem relatórios sobre os seus esforços para banir conteúdos”. No entanto, ficam excluídos desta decisão eventuais notificações sobre “publicações que detalhem crimes, ameaças à segurança nacional ou tentativas externas de influenciar as eleições”.
A ordem de Doughty surge no seguimento de um processo interposto pelo procurador-geral do Estado da Louisiana, Jeff Landry, e o antigo procurador-geral do Estado do Missouri, Eric Schmitt. Os queixosos alegaram que o Governo Federal norte-americano violou a Primeira Emenda, tendo invocado, entre vários exemplos, casos de censura de publicações que visaram Hunter Biden, ou que defendiam a teoria da fuga de laboratório do SARS-CoV-2.
A acusação de censura imputada por Landry e Schmitt à Administração Biden teve eco nas palavras de Terry A. Doughty, que concluiu que “se as alegações feitas pelos queixosos forem verdadeiras, o presente caso provavelmente envolve o maior ataque contra a liberdade de expressão na História dos Estados Unidos”.
De entre as organizações com as quais o Governo Federal norte-americano deixa de poder comunicar com o intuito de suprimir publicações nas redes sociais, estão entidades externas, como o Virality Project e o Stanford Internet Observatory, que já tinham sido alvo de escrutínio mediático aquando da divulgação dos Twitter Files.
De facto, os documentos internos da rede social divulgados com a autorização de Elon Musk, aquando da sua aquisição do Twitter no ano passado, avolumaram o debate em torno de um aparente conluio entre funcionários governamentais e a Big Tech para limitar a liberdade de expressão no mundo digital.
Esta decisão em defesa da liberdade de expressão foi contestada por alguns círculos, mas aplaudida por outros, sobretudo jornalistas, cientistas e académicos que foram alvo de censura pelas suas opiniões sobre a pandemia. Nesta lista, constam Andrew Lowenthal e Paul D. Thacker, que foram, aliás, recentemente entrevistados pelo PÁGINA UM.
No Twitter, Thacker respondeu a uma alegação da Casa Branca, que rejeitou ter pressionado as plataformas tecnológicas para censurar conteúdos. O jornalista, que participou na divulgação dos Twitter Files, aludiu especificamente a um e-mail de Rob Flaherty, no qual o funcionário da Administração Biden reagia de forma acesa e autoritária à recusa do Facebook em restringir algumas contas. “Vocês estão a falar a sério, porra? Eu quero uma resposta sobre o que aconteceu aqui e quero-a hoje”, recorda Thacker numa publicação partilhada.
Para além dos procuradores-gerais, o processo foi também encabeçado por dois epidemiologistas que contestaram a gestão da pandemia, Jayanta Bhattacharya e Martin Kulldorff, Aaron Kheriatv, um professor demitido da Universidade da Califórnia pela sua recusa da vacina para a covid-19, Jill Hines, da associação Health Freedom Louisiana, e Jim Hoft, do site Gateway Pundit.
As reacções à ordem de Doughty foram mistas, demonstrativas das fortes clivagens ideológicas, com os democratas a serem mais favoráveis a um melhor controlo daquilo que se convencionou chamar desinformação, mas que se transforma em mera censura como arma de silenciamento.
Certo é que o procurador-geral da Louisiana apelidou a decisão como “histórica”, enquanto o procurador-geral do estado do Missouri festejou efusivamente no Twitter: “Feliz aniversário, América! Tens a tua Primeira Emenda de volta!”.
O New York Times, que adianta que esta decisão judicial pode ter “implicações significativas na Primeira Emenda”, tentou obter comentários das plataformas mas sem sucesso. E diz também que a Casa Branca deverá recorrer da decisão.