A Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP reuniu, durante centenas de horas, ouvindo inúmeras pessoas para tentar saber, fundamentalmente, se a atribuição de uma indemnização de meio milhão de euros a uma administradora, que passados uns dias já trabalhava noutra empresa, da mesma Tutela, era legítima.
Tivessem perguntado aos catraios de uma qualquer escola primária, e teriam a resposta em segundos: “Não!”
Só que o Parlamento é, sobretudo, uma Feira de Vaidades e quando chega às narinas daqueles deputados o cheiro a sangue… nada os faz parar.
A verdade é que, na análise à entrega daquele dinheiro todo, se foram descobrindo pormenores rocambolescos que, para uma Oposição sedenta de uma oportunidade “de ir ao pote”, eram ouro sobre azul.
Tanto mais que havia a garantia de cobertura televisiva em directo e integral.
Durante semanas assistimos a uma caricatura de um qualquer Tribunal Judicial do nosso País onde, ao arrepio da Lei, os arguidos entram como condenados tendo que provar, aos ilustres Magistrados, que estão inocentes.
O que não é fácil dada a convicção antecipada de Juízes e Procuradores.
Na Comissão Parlamentar os Deputados seguiram essa estratégia.
Todos os interrogados que não se revissem nas teses de cada um dos Deputados Inquiridores passavam à categoria de adversários vendo todas as suas declarações serem postas em causa.
Necessário era fazer cair, no descrédito total, toda a estrutura governativa da área em análise.
Nem que se tivesse de inquirir sobre factos para além do que estava estabelecido.
Ainda assim, houve diferenças entre os Juízes dos nossos Tribunais e os Deputados da Comissão de Inquérito?
Desde logo, os primeiros têm legitimidade para interrogar os arguidos sobre (quase) todos os factos, ao contrário dos Deputados.
Depois, os Juízes só devem preocupar-se com a verdade enquanto os Deputados se preocupam com a “verdade” que mais favorável seja para o seu Partido.
Finalmente, os Juízes interrogam (na imensa maioria das vezes) num tom sereno, educado, profissional.
Já na Comissão de Inquérito houve interrogatórios feitos com sobranceria, arrogância, desdém, apartes mal-educados, por parte de Deputados interessados em mostrar quem era o mais agressivo, o mais contundente o mais temível.
Mais importante que fazer com que o interrogado caísse em descrédito era levar o cidadão espectador a admirar a sua coragem no enfrentar os representantes do Poder.
A tentativa infantil de mostrar que se conheciam os dossiers era outra imagem de marca destes inquiridores.
“O Senhor diz que isso aconteceu às 21.30 mas parece que há provas de que foi às 21.25. O que tem a dizer sobre isto?”
Perguntas só possíveis a quem desconhece que o pior que pode acontecer a um político é ele cair no ridículo.
Semanas com o mesmo tipo de perguntas, com a agressividade a subir de tom, começaram a cansar quem, de início, apoiava a Comissão.
Até que esta se tornou insuportável.
Na memória de quem assistia só ficava a repetição das mesmas perguntas, os insultos constantes aos interrogados, o ar professoral, ou de gozo, dos interrogadores.
Não foi admiração quando o tom de crítica generalizada, a quem era alvo de inquérito, passou a alguma compreensão e, mesmo, simpatia.
Chegámos a um ponto em que o Primeiro Ministro, para sair vencedor de todas as lutas que tem que travar com estes oposicionistas, só tem que ficar quieto à espera que eles se destruam uns aos outros.
O relatório preliminar da Comissão mostra isto mesmo à evidência.
Desde logo porque garante que, “o Governo não interferiu na gestão da TAP”, “não sabia do valor da indemnização paga à sua administradora”, “não se conseguiu provar, por falta de evidências, que o Ministério das Finanças sabia da indemnização”.
Depois, porque optou por não fazer considerações sobre o caso ocorrido no gabinete do Ministro João Galamba.
Finalmente, não teve em conta inúmeras horas de debate na Comissão porque os assuntos abordados não estavam no âmbito desta.
Ou seja, o Relatório final – redigido, como se sabia que iria acontecer, por uma Senhora Deputada do Partido Socialista – está longe de ser tão crítico para o Governo como a Oposição esperava e, em parte, compreende-se a fúria dos seus Deputados.
Todavia são eles os grandes culpados deste fracasso e dos efeitos secundários por ele provocado.
Ao pretenderem extravasar as suas funções, ao quererem fazer um julgamento em praça pública em vez de um inquérito, ao quererem aparecer como grandes paladinos da Verdade, da Justiça, da Honra, esqueceram-se de olhar para baixo e verem a quantidade de pés de barro que os espectadores tão bem conhecem há tantos anos.
Pobres diabos!
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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