Controlo da dona da TVI "custa" três sanções de 350 mil euros cada

Mário Ferreira e Prisa apanham coimas milionárias por negócio da Media Capital

por Pedro Almeida Vieira // Julho 11, 2023


Categoria: Imprensa

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Em 2020, o actual “homem forte” da Media Capital, Mário Ferreira, fez um memorando de entendimento com a Prisa que, para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, deveria ter sido antecedida de autorização. O regulador concluiu que foi Mário Ferreira, e não a Prisa, que colocou Manuel Alves Monteiro como administrador da Media Capital, e que isso constituía uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão. Resultado: três coimas de 350 mil euros, mas que pode descer para metade por bom comportamento. A deliberação da ERC, de Fevereiro deste ano, esteve escondida cinco meses, e também revela as circunstâncias do regresso de Cristina Ferreira à TVI e a demissão de Sérgio Figueiredo da direcção do canal de Queluz de Baixo.


São 42 violações à Lei da Rádio e três violações à Lei da Televisão – e três coimas milionárias de 350 mil euros aplicadas à Prisa, à sua subsidiária Vertix e à Pluris, do empresário Mário Ferreira, que actualmente domina a Media Capital, dona dos canais de televisão TVI e CNN Portugal.

Este é o desfecho de uma das maiores coimas aplicadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre empresas de media. A deliberação, apenas ontem colocada no site da ERC, mas datada de 1 de Fevereiro deste ano, acaba porém por suspender metade da coima de cada empresa (175 mil euros) por um período de dois anos, sob a prestação de caução de boa conduta de 250 mil euros. Ou seja, se não houver novas condenações, cada empresa pode acabar por pagar apenas 175 mil euros.  

Mário Ferreira, presidente do Conselho de Administração da Media Capital, ao lado de José Eduardo Moniz, director-geral da TVI.

Os factos remontam a Abril de 2020, quando a Pluris Investments, detida a 90% pelo empresário Mário Ferreira, e a Vertix – que no início daquele ano esteve para ser adquirida pela Cofina – celebraram um acordo com vista à aquisição, pela primeira, de uma participação de 30,22% no capital social da Media Capital.

Esse acordo implicava a preparação de um novo plano de negócio, um compromisso de financiamento da Media Capital pela Pluris, de até de cerca de 14 milhões de euros, da cooperação adquirir a participação então detida pela Prisa.

Além disso, ficou estabelecido o direito de a Pluris indicar, “imediatamente após a execução” do acordo um observador que “deve ser autorizado a estar presente em todas as reuniões do conselho de administração da Media Capital e a receber informação completa e precisa de todos os trabalhos do conselho de administração» e, após a celebração do negócio, a adoção pela Prisa dos procedimentos necessários no sentido de cooptar representantes da Pluris para o Conselho de Administração da Media Capital, na proporção da sua participação”.

Controlo da TVI sem aviso prévio da ERC “valeu” coimas milionárias a Mário Ferreira, à Prisa e à sua subsidiária Vertix.

Na altura, a Media Capital era detentora das empresas TVI Televisão Independente – dona da TVI e da CNN Portugal – e ainda da Rádio Comercial em diversas rádios locais – entretanto vendidas no ano passado à alemã Bauer –, envolvendo um serviço de programas de televisão e de vinte e nove serviços de programas de rádio.

Em 9 de Outubro de 2020, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) concluiria que estes “acordos celebrados entre a Vertix/ Prisa e a Pluris/ Mário Ferreira e a conduta das partes instituída na sequência dos mesmos configura[va] o exercício concertado de influência sobre a Media Capital, manifestado, entre outros, na (re)composição do seu órgão de administração, na redefinição do plano estratégico da sociedade e na tomada de decisões relevantes na condução dos seus negócios.”

E a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não gostou, por causa dos “fortes indícios da ocorrência de uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão a operar sob licença que compõem o universo da Media Capital.” E abriu um processo de contra-ordenação, porquanto a alteração de domínio sobre um operador de rádio ou de televisão sem a necessária autorização da ERC constitui uma contraordenação, punível, no caso da Lei da Rádio com coima até 100.000 euros, e no caso da Lei da Televisão até 375.000 euros.

Deliberação da ERC sobre processos de contra-ordenação esteve cinco meses “escondida”. Só ontem foi revelada.

O processo de contra-ordenação, com um total de 183 páginas, foi aprovado em 1 de fevereiro, mas estranhamente só ontem foi disponibilizado no site da ERC, com a referência que por “obrigações legais em matéria de proteção de dados e de preservação do sigilo comercial, foram ocultados alguns elementos nominativos e montantes envolvidos, sem prejuízo para a compreensão dos factos e dos fundamentos subjacentes à presente Deliberação.”

O regulador conclui que o acordo entre a Prisa e a Pluris deveria ter implicado autorizações prévias, e que Mário Ferreira assumiu antes do tempo um papel determinante dos destinos da Media Capital, sobretudo através da colocação de Manuel Alves Monteiro no Conselho de Administração a partir de Abril de 2020.

Apesar de formalmente convidado pela Prisa como administrador não-executivo, Manuel Alves Monteiro foi considerado pela ERC como um “homem de mão” (não nestes termos) de Mário Ferreira.

“A cooptação de Manuel Alves Monteiro pelo Conselho de Administração da Media Capital, cinco dias após ter sido celebrado o MoU [memorando de entendimento], amigo de longa data e pessoa da confiança de Mário Ferreira, em cujo grupo económico exercia, há vários anos, funções de administrador [Mystic Invest], nos exatos termos em [que] se dispunha no MoU a nomeação de um (ou dois) observador(es).”

Saliente-se que Alves Monteiro viria a ser o novo CEO a partir de Julho de 2020, para defender os interesses da Pluris que, na prática, segundo a ERC, dominava já a Media Capital.

Aliás, a ERC chega também a intuir que o afastamento de Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI, decidido em 10 de Julho de 2020, “terá sido a expressão da vontade de Mário Ferreira”.

A deliberação da ERC também luz sobre a pouco pacífica passagem da apresentadora Cristina Ferreira da SIC para a TVI, revelando uma evidente mentira.

O regulador dos media diz que Cristina Ferreira começou por confessar na CMVM ter falado com Mário Ferreira que lhe propôs “ser accionista e possível administradora” caso abandonasse a SIC e regressasse à TVI, esquecendo as incompatibilidades com o actual director da CNN Portugal, Nuno Santos.

ERC diz que Cristina Ferreira entrou em contradição sobre o convite em 2020 que recebeu de Mário Ferreira para regressar à TVI como apresentadora, accionista e administradora.

Porém, mais tarde, “no âmbito do procedimento administrativo”, Cristina Ferreira disse ter afinal falado com Manuel Alves Monteiro. “Não podemos, contudo, deixar de estranhar a contradição existente entre os dois depoimentos de Cristina Ferreira”, expõe-se na deliberação da ERC, “e questionar a razão que a levou a adotar posturas completamente divergentes”. Independentemente disso, o regulador conclui que “daqui resulta que Mário Ferreira teve intervenção ativa na definição e condução das políticas de gestão estratégica e respetivas decisões da Media Capital” antes de oficialmente estar mandatado.

As coimas agora aplicadas pela ERC ainda poderiam ter sido muito mais elevadas. De acordo com a lei, “a alteração de domínio sobre um operador de rádio ou de televisão com serviços de programas licenciados sem a necessária autorização do regulador constitui contraordenação, prevista na Lei da Rádio com coima entre 10.000 e 100.000 euros e na Lei da Televisão com coima entre 75.000 e 375.000 euros e com suspensão da licença pelo período de um a 10 dias.

Para cada uma das três empresas, a ERC aplicou uma coima de 120.000 euros pela violação da Lei da Televisão, abrangendo o operador TVI (ainda não existia a CNN Portugal), duas de 45.000 euros por violação da Lei da Rádio, abrangendo a Rádio Comercial e a Rádio Regional de Lisboa, e 12 coimas de 16.000 euros para outras tantas empresas radiofónicas então detidas pela Media Capital, entretanto vendidas à alemã Bauer.

Em cúmulo jurídico, a ERC decidiu reduzir para 350.000 euros (o somatório de todas as coimas daria 402.000 euros), justificando o valor pelo “desvalor da conduta e a sua gravidade” e pelo facto de “as arguidas [Pluris, Prisa e Vertix] não mostrarem qualquer arrependimento ou compreensão do desvalor e, de modo a evitar um juízo de impunidade relativamente à prática das infrações e da culpa, ponderados e valorados os fatores que presidem à determinação da coima”.

Ainda não foi possível ao PÁGINA UM saber se a Media Capital e a Prisa – que detém também a Vertix, e que contestou a aplicação de um duplo processo – recorreram das coimas para os tribunais. Não foi, porém, feita pela Media Capital qualquer informação ao mercado sobre a coima, através da CMVM.

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