VISTO DE FORA

Pão e circo

person holding camera lens

por Tiago Franco // Julho 13, 2023


Categoria: Opinião

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Alegadamente (temos sempre que começar a frase por aqui), assessores do PSD receberam 200.000 euros do Parlamento durante o “reinado” de Rui Rio. Este é o rastilho para mais um caso que promete uns dias com uns directos deprimentes até que vá para a gaveta do esquecimento, nomeadamente na altura das conclusões.

Uma das coisas que nunca percebi nas buscas relâmpago da Polícia Judiciária (PJ) é a facilidade com que as televisões estão, a tempo e horas, no local da acção. A PJ parece ter uma linha vermelha para avisar os meios de comunicação de cada vez que montam o circo.

Devo dizer que a palavra não é escolhida ao acaso. Tudo isto me parece de facto um circo. Casos e mais casos iniciados em directo no Jornal da Noite e, 10 anos depois, ainda se aguardam conclusões. A justiça segue uma agenda partidária que é mais ou menos óbvia e cansa de tão básica que é. Fazem de nós, os eleitores, uma espécie de gado que não percebe o que se passa e que abre a boca de espanto a cada novo escândalo.

fire, calls, hot

Com o PS aflito, envolto nos escândalos da TAP e da recuperação de computadores pelo SIS, recuperou-se o caso Tutti Frutti, em lume brando há sete anos. Alguns diretos, escutas de dirigentes do PSD a comprovar um profundo desprezo pelo erário público e muitos debates sobre a corrupção nas juntas de freguesia, com umas caneladas em Medina. O PS respirou. 

Voltou Pedro Nuno Santos, que deu uma lição na Comissão Parlamentar de Inquérito e explicou, em poucas palavras, por que será o sucessor de António Costa. Seguiu-se mais contestação dos professores, novas dificuldades com as taxas de juro, alunos sem professores nas provas finais, falta de médicos nas urgências e discussões em torno da redução de impostos para ajudar as famílias durante a crise inflacionária. 

Voltam as dificuldades do PS e sai a Policia Judiciária em nova rusga, agora em sedes distritais do PSD e até na casa de Rui Rio. Reparem que, nem o caso Marquês, que já pertence à pré-história, chegou ao fim e ninguém consegue manter actualizado o número de investigações abertas. O Ministério Público queixa-se da falta de pessoal (imagino que não seja uma carreira atractiva) mas não deixa de meter a mão em tudo, pelo menos no início, sem concluir qualquer coisa que se veja. 

Andaram anos a aparecer no Estádio da Luz, de 15 em 15 dias, sempre com directos da CMTV, sem conseguirem chegar a bom porto. Prenderam Sócrates de forma “hollywoodesca” nas mangas do aeroporto, sem que, ao fim de anos, tivessem sequer acusação formada. Parecem mais uma comissão de festas de aldeia do que uma brigada de investigação ao crime. Largam os foguetes, tiram as primeiras imperiais, mas a meio do concerto já estão em casa, deixando a limpeza do recinto para quem vier depois.

A imagem de Rui Rio na varanda, enquanto lhe faziam buscas em casa, a responder a perguntas de café que os jornalistas faziam cá em baixo, é um momento ligeiramente deprimente da nossa democracia. Não meto as mãos no fogo por político algum do centrão, mas parece-me algo inócuo ir a casa de um antigo líder para encontrar registos de transferências de dinheiro. Não seria mais fácil ir à Assembleia da República, uma vez que foi dali que veio o dinheiro?

Repare-se que, em momento algum duvido da corrupção e desvio de dinheiro nos bastidores da política portuguesa. Ainda assim, sem nunca ter votado em qualquer partido de direita, se tivesse que apostar as minhas fichas, não colocaria Rui Rio nesse papel. O homem não será certamente o político mais carismático mas parece ser uma pessoa séria.  

Hoje e amanhã vamos discutir o tema e ver “senadores” como Miguel Relvas a analisar a situação. Também faz parte do circo. É aliás outro tesourinho deprimente que nós, eleitores e espectadores, vamos tolerando.

Os políticos que hoje estão envolvidos em escândalos serão aqueles que daqui a uns anos, com novos penteados e os dentes arranjados, farão as delícias do comentário televisivo. Paulo Portas passou uma pasta mais branca nos dentes e deixou os submarinos bem lá atrás, para nos falar de moralidade nos jornais da TVI. Já Miguel Relvas, o licenciado (alegadamente) das quatro cadeiras, apagou a Tecnoforma do Curriculum Vitae, penteou o cabelo para trás e é um homem novo, que nos conta como o dinheiro público deve ser bem gerido. 

Lá para domingo já deveremos ter uns quantos incêndios de proporções catastróficas e os directos, em princípio, passarão para as autoestradas em chamas e os debates incidirão sobre os Kamov e os contractos de aluguer de Canadair espanhóis. O PSD que vá arranjando qualquer coisa na TAP porque, certo como o destino, a cada novo aperto na governação, lá virá qualquer coisa laranja para as “breaking news“. Com as Europeias já no horizonte, é normal que o “governo desgastado” não queira correr riscos.

Há que ir alimentando a indignação diária e mantendo o nível de espectacularidade das notícias. Só queremos ter mais “alertas” e “breaking news” e, como tal, estamos no caminho certo. Ninguém quer eliminar a corrupção na política, acabar com o desvio descarado de fundos públicos ou sequer erradicar esta ideia de que ser político é uma profissão para a vida. Muito menos terminar o compadrio entre políticos e empresas de amigos.

Há que mexer muito para dar a sensação de movimento e, essencialmente, ficar no mesmo sítio. O pão e o circo, que nos vão amarrando ao terceiro mundo.

Se possível, e se não for pedir muito, os partidos de esquerda que aproveitem este atirar de lama ao centro, para mostrarem aos eleitores que são e podem fazer diferente. Já era um serviço que faziam à democracia.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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