ARQUITECTURA DOS SENTIDOS

Metal: crónica dos materiais

brown and blue wallpaper

minuto/s restantes

Se em silêncio ouvimos aqueles eucaliptos, pinheiros e acácias, a sacudir gentilmente o cabelo com o vento, a folhagem… muito do sussurro dela se parece com as ondas do mar e quase que sentimos o sal a morder a bochecha junto aos molares.

Como é que este som me lembra metal, se é tão mais fresco e azul?

É porque também é leve, maleável. Mas o metal a ser feito é quente, sem dúvida, muito quente, nascido do fogo. Mas uma vez frio fica gelado, transformado em árvores petrificadas que seguram cabos de electricidade, espadas e adagas que usamos para sermos mais pontiagudos.

aerial view of forest

Se nos raspamos em metal, mesmo frio, sabemos que vai queimar a pele. Arrancar a derme (a frio), mostrar-nos o inferno da dor que se espalha como mancha. (Até a água há-de enferrujar a chaga.)

O varão de ferro com nervuras a falarem em código. O perfil de alumínio a pedir que se brinque, se construa, se encaixe. A folha de inox a soltar trovões inesperados. O cobre em fiapos, o ouro do estaleiro.

O andaime, o seu som clincante, sempre sujo de cimento, sempre de mil cores (clin clanc), o vento a assobiar nos tubos como quem toca órgão.

As dobradiças, as braçadeiras da caixa aberta da carrinha, o guarda-lamas a querer prevenir a torção do plástico com que decidiram começar a fazer as portas, a carroçaria, o habitáculo (o metal a finar-se porque pesa, é trabalho de músculo e não de laboratório e robot).

Clin clanc

birds flying over brown metal tower

Pensa no sabor do metal e sentes a língua a retrair-se um pouco, um incómodo ligeiro. Pensa no cheiro do metal quando entras na oficina do serralheiro e sentes o azul quente entrar nos pulmões e tirar o ar. O ácido do estômago a trepar por ti acima numa azia (metálica) e sabes que se não vais usar fogo para esculpir, com um enorme escudo em frente ao rosto, mais vale saíres dali, ali não se vive em paz.

Clin clanc

A era do progresso já não sabe a metal. Está escondido, torcido, perdido ou invisível. A era do progresso sabe a plástico. Polímero. Mas isso é outra dor crónica.

Mariana Santos Martins é arquitecta


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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