Presidente da República pediu clarificação para terminar polémica

Lei das subvenções: Marcelo vê “zona cinzenta”, mas entidade que fiscaliza contas partidárias diz ser “clara”

por Elisabete Tavares // Julho 20, 2023


Categoria: Exame

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A entidade responsável pela fiscalização e monitorização das contas dos partidos políticos defendeu, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que não fez nem vai fazer nenhuma recomendação sobre o uso de subvenções atribuídas aos grupos parlamentares porque considera que a lei é clara. A posição contraria a declaração do Presidente da República, que já foi presidente do Partido Social Democrata, sobre a existência de uma “zona cinzenta” na lei. A Entidade das Contas e Financiamentos Públicos, que opera no âmbito do Tribunal Constitucional e viu uma alteração legislativa em 2018 retirar-se alguns poderes de fiscalização, remete para a lei que estabelece que as subvenções atribuídas aos grupos parlamentares podem abranger tanto as despesas para representação política como de actividade partidária.


A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), que fiscaliza as contas dos partidos e das campanhas eleitorais, defende que nunca fez uma recomendação aos partidos sobre o uso das subvenções atribuídas aos grupos parlamentares e deputados porque considera que a lei é clara, não existindo incompatibilidades no uso daquelas verbas para despesas dos seus funcionários ou assessores em actividades de âmbito partidário ou político.

Em respostas enviadas ao PÁGINA UM, aquela entidade independente, que opera junto do Tribunal Constitucional, declarou que, nunca fez uma recomendação aos partidos sobre a questão da aplicação das verbas por entender que a clareza da lei não o justifica.

Esta posição contraria as declarações do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, no sentido de que existe uma “zona cinzenta” na legislação e que a lei precisa de ser clarificada.

white Canon cash register

A ECFP chegou a ter poderes para “definir, através de regulamento, as regras necessárias à normalização de procedimentos no que se refere à apresentação de despesas pelos partidos políticos e campanhas eleitorais”, mas estas competências foram-lhe retiradas em 2018, com a revogação do artigo 10.º da Lei de organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

O tema das subvenções, ou apoios estatais, dos grupos parlamentares tem estado debaixo de polémica devido às buscas mediáticas realizadas pelo Ministério Público à casa do ex-presidente do PSD, Rui Rio, e outras figuras do partido, bem como à sede do partido. A polémica operação terá partido de uma denúncia anónima e a investigação centra-se em suspeitas de que alegadamente o PSD pagou salários de funcionários do partido com verbas públicas (subvenções) atribuídas ao grupo parlamentar.

A operação policial recebeu fortes críticas pela sua mediatização e envolvimento da imprensa na divulgação das ações de busca.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou, citado pela imprensa, que existe uma zona cinzenta na lei, no que toca às subvenções, que é preciso clarificar.

Maria de Fátima Mata-Mouros, presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos

Mas, para a ECFP, que é liderada pela magistrada Maria de Fátima Mata-Mouros, a lei relativa ao “Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais” não deixa margem para dúvidas: os funcionários e assessores que trabalhem em grupos parlamentares podem usar as verbas públicas de apoio aos grupos parlamentares para cobrir despesas de foro político ou partidário.

O PÁGINA UM questionou a ECFP sobre se alguma vez fez algum alerta ou recomendação aos partidos no sentido de não utilizarem fundos dos grupos parlamentares para o pagamento de despesas e salários nos partidos.

Na sua resposta, aquela entidade começa por esclarecer que “a ECFP pode emitir recomendações genéricas” nos termos previstos na lei, “com o objetivo de clarificar ou recomendar alguma prática que a lei, por si só, não esclareça”.

Ou seja, para a ECFP a lei é clara, pelo que “não foi emitida qualquer recomendação concernente à matéria regulada naquele preceito legal”.

Para a ECFP, “a questão colocada encontra resposta no n.º 4 do artigo 5.º do Lei 19/2003 de 20 de junho, na sua atual redação”, referente ao “Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais”. O artigo 5.º diz respeito à “Subvenção pública para financiamento dos partidos políticos”.

Rui Rio, ex-presidente do PSD

No número 4.º deste artigo pode ler-se: “A cada grupo parlamentar, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, correspondente a quatro vezes o IAS [Indexante dos Apoios Sociais] anual, mais metade do valor do mesmo, por deputado, a ser paga mensalmente, nos termos do n.º 6”.

Ao que o PÁGINA UM observou, da análise aprofundada que fez às contas dos grupos parlamentares e dos partidos, dos últimos cinco anos, curiosamente o grupo parlamentar social-democrata até é um dos dois únicos partidos que registam verbas para despesas com pessoal do seu grupo parlamentar. O outro partido é o Bloco de Esquerda.

Os restantes grupos parlamentares, incluindo o do PS, não registam nenhuma despesa com pessoal mas contabilizam verbas avultadas referentes a pagamentos de “fornecimentos e serviços externos”. No caso do grupo parlamentar do PS, regista o “desvio” de 1,4 milhões de euros para pagamentos de “fornecimentos e serviços externos”, entre 2018 e 2022.

A ECFP foi criada em Janeiro de 2005 sobretudo para apoiar tecnicamente o Tribunal Constitucional na fiscalização das contas anuais dos partidos políticos e das contas das campanhas eleitorais.

Em 2018, aquela entidade passou a poder proferir decisões finais sobre as contas dos partidos e das campanhas, bem como a aplicação de coimas e decisões dos processos de contraordenação. Cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso, as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos, nelas incluindo as dos grupos parlamentares.

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