Correio Trivial

A exibição da incompetência

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Julho 22, 2023


Categoria: Opinião

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Uma vez mais fomos confrontados com o espectáculo de buscas levadas a cabo por elementos do Ministério Público, a casas de suspeitos de actividades criminosas, em directo, pela televisão.

Desta vez, os visitados foram a casa do antigo dirigente do PSD, Rui Rio, e a Sede do seu Partido.

Não vou tecer qualquer consideração sobre o motivo das buscas, porque só conheço o que a imprensa divulgou, mas pretendo analisar o método de trabalho de alguns Magistrados do Ministério Público, em Portugal.

Desde logo porque, finalmente, houve críticas públicas, e da parte do Poder Político, que, como é sabido, só reage quando lhe toca na pele.

Rui Rio, ex-presidente do PSD

A prática da Justiça-Espectáculo, tão do agrado destes Magistrados, que querem aparecer como lutadores intransigentes contra o crime, merece ser analisada e, ela própria, julgada.

O esquema é facilmente explicado: na suspeita de um crime, mesmo que baseada numa queixa anónima, o Ministério Público deve agir analisando todos os factos.

Caso apareçam, entre os denunciados, nomes de figuras públicas, a investigação chega, por vias estranhas, a alguma comunicação social que, a partir daí, os divulga como “suspeitos de crimes”.

“Suspeitos” que passam, de imediato, à categoria de criminosos porque, o Povo ensina, “não há fumo sem fogo”.

Ou seja, se o Ministério Público investiga é mais que certo que há um crime à espera de ser descoberto.

Mas, será assim?

Números provenientes do Ministério da Justiça provam o contrário.

Preto-no-branco esclarecem que 47% das acusações do Ministério Público terminam com a absolvição dos investigados.

Muitos acabam por nem ir a Julgamento, mesmo depois de verem os seus nomes divulgados em jornais, rádios e televisões.

Alguns chegam a passar por prisão preventiva até serem inocentados.

Em sete anos foram mais de 150.000 os portugueses que viveram este drama.

Sessenta e cinco, por dia.

Sendo que nenhum dos Magistrados detentor desses processos sofreu, com essa incompetência, qualquer chamada de atenção.

Esta situação só é possível porque o acordo entre estes e os órgãos de comunicação social termina na fase em que a acusação deixa de parecer credível.

Obviamente não é do interesse de nenhum destes dois “parceiros” a demonstração de falhanço.

Na melhor das hipóteses, às centenas de parangonas em primeiras páginas e aberturas de telejornais, corresponderá, no fim, uma nota de rodapé, ou uma notícia de segundos, sobre o arquivamento do processo.

Como se chegou a este ponto?

Para a notícia essencial ter impacto, as buscas são levadas a cabo por muitas dezenas de polícias e peritos, sob a orientação de um Procurador, ou Juiz, e com transmissão em directo pelas televisões.

Uma operação que tem de ser preparada no maior dos segredos, para evitar que os suspeitos se livrem de documentos, ou equipamentos, que possam ser essenciais para os investigadores, chega, no entanto, e sempre que o caso é considerado mediático, ao conhecimento antecipado de jornalistas que, por vezes, aparecem nos locais das buscas ANTES das autoridades.

O que faria corar de vergonha qualquer Magistrado num país civilizado é, em Portugal, considerado normal.

A falta de pudor que há neste procedimento é assustadora.

Mas de tremenda eficácia para quem pretende acusar.

Qualquer investigação que corra o risco de ter que ilibar os potenciais arguidos, por falta de indícios suficientemente fortes para tornarem credível uma acusação, socorre-se de uma opinião pública, instrumentalizada pela opinião publicada que aceita participar numa troca de favores: eu dou-te uma “cacha”, que te faz aumentar as audiências, e tu dás a entender que as minhas suspeitas são fundamentadas.

Lucília Gago, procuradora-geral da República desde 2018.

Mais cedo ou mais tarde, muitas destas notícias bombásticas acabam por cair no esquecimento só sendo recordadas, em escassos minutos, quando se reparam os erros ilibando os acusados.

Mas, semanas a fio com as fotografias e nome estampados em jornais, ou em programas televisivos, não perdoam e esses acusados, sem critério, ficam, para sempre, com o nome destruído e as suas carreiras destroçadas.

Ao contrário de quem, por absoluta incompetência (não quero acreditar que seja má-fé), continua, serena, segura e impunemente a subir na carreira.

Este país, até que, entre os investigados, comecem a surgir políticos com poder, vai estar muito perigoso!

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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