Nos últimos meses, uma pletora de políticos e jornalistas económicos tem-se insurgido contra as recentes subidas das taxas de juro na Zona Euro. No início de Julho de 2022, as taxas de juro situavam-se em 0%; a partir daí, foi sempre a subir. A mais recente subida, no último dia 21 de Junho, fixou os juros em 4%. Assim, um qualquer empréstimo ao Banco Central Europeu (BCE) por um banco comercial da Zona Euro implica encargos financeiros de 4% ao ano.
Mas parece que as subidas não terminam por aqui. Talvez por isso, recentemente, um grupo de eurodeputados portugueses reuniu-se com Christine Lagarde, a presidente do BCE, para lhe dar conta de um grandiloquente alerta: após o Verão, o BCE deveria parar as subidas de juros por forma a que a Zona Euro não “morra por causa da cura”. É curioso, durante os anos a fio com juros 0%, ou até mesmo negativos – tal aconteceu durante a putativa pandemia–, nunca escutámos sublimes súplicas!
Como sempre, as classes médias são as que mais sofrem com estas devastadoras políticas, atendendo que as taxas Euribor, os indexantes dos empréstimos à habitação e altamente condicionadas pelas taxas de financiamento do BCE ao sistema bancário, já superam os 4%, como é o caso do prazo a 12 meses.
Assim, no início de 2022, um empréstimo de 200 mil Euros, com um spread de 1,5% aplicado à Euribor a 12 meses (-0,45%) e com um prazo de 40 anos, implicava um pagamento mensal de 510 Euros; agora, com a Euribor a 12 meses nos 4,134%, significa um encargo mensal de 1.045 Euros. A duplicação do valor da renda em apenas um ano!
Como ficou evidente pelo colapso das tiranias comunistas nos finais dos anos 80 do século transacto, o planeamento central é um completo falhanço. No entanto, e apesar de tudo, continuamos a acreditar que seis iluminados ao leme de um Banco Central são capazes de determinar o preço do dinheiro!
Até nos asseguram que possuem poderes especiais, sendo até capazes de conhecer a preferência temporal de cada um dos milhões de particulares e dirigentes de órgãos sociais de empresas que interagem no mercado de poupança todos os dias. Aquilo que deveria resultar da oferta e procura por poupança num mercado livre, é substituído pela “opinião” de um grupo restrito de burocratas não eleitos – claro está, suportado “na leitura e análise” de enormes quantidades de informação enviada pelos bancos supervisionados.
Segundo a sua cartilha, o seu Santo Graal é nada mais nada menos que uma inflação-alvo de 2%! Não conhecemos as razões associadas a tal perfeição, mas fica sempre a pergunta no ar: por que não 1%, ou 0,5%, ou mesmo 0%; ninguém sabe, mas aparentemente ninguém os questiona!
Uma coisa repudiam sempre: a deflação, esse terrível fenómeno que incrementa o poder aquisitivo das classes com rendimentos fixos. Aparentemente, algo que agora custa 100 Euros e que irá custar 98 Euros ou 97 Euros daqui a um ano é funestíssimo, dado que os consumidores diferem o seu consumo, “prejudicando” o consumo agregado! Ora, se eu necessito de comer ou vestir-me agora, por que razão irei adiar a minha compra?! Parece que ninguém tem a resposta.
Apesar do seu enorme poder, estas instituições possuem um único produto: dívida, nada mais! Quanto mais dívida, maior o seu poder. Além disso, esta é criada a partir da contrafacção de moeda: para tal, basta um banco comercial solicitar um crédito ao Banco Central, com este último a creditar informaticamente a conta do primeiro; assim, do “nada”, desta forma simples, é criada nova moeda!
Como chegamos até aqui? Como foi possível o aparecimento de tais instituições sem qualquer contestação?
Importa recordar as razões da sua origem: o Banco Central é a criatura criada pelos bancos, semelhante ao romance de terror gótico de Mary Shelley, publicado pela primeira vez em 1818. Conta-nos a história do jovem cientista Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que vive na Suíça no século XVIII, que criou um monstro.
No caso dos bancos, este monstro foi criado para coordenar a prática de reservas fraccionadas entre bancos; a existência de um dissidente no saque à população – se o fizermos está-nos reservado o cárcere – era um perigo que importava eliminar. Assim, nada como um “monstro” a dirigir um cartel bancário para impor o roubo via inflação da população.
No romance de Mary Shelley, no princípio, a criatura é rejeitada pelo seu criador, pelo que tenta integrar-se na sociedade humana, mas é constantemente repudiado e maltratado devido à sua aparência assustadora. Desesperado por amor e aceitação, a criatura começa a sentir uma profunda raiva e ressentimento em relação ao seu criador, Victor Frankenstein, e à Humanidade em geral.
Em busca de vingança, a criatura confronta Victor Frankenstein e exige que ele lhe crie uma companheira, uma criatura semelhante, com a promessa de que irá desaparecer para sempre da sua vida. No princípio, Victor Frankenstein concorda, mas depois muda de ideias por medo das consequências de criar uma nova criatura, ainda mais horripilante que a primeira.
A criatura, enfurecida e sentindo-se traída novamente, passa a perseguir Victor Frankenstein e a ameaçar a sua família. A história culmina numa série de eventos trágicos e violentos, que levam a um confronto final entre Victor Frankenstein e a sua criação, levando à morte do primeiro.
A pedido dos seus criadores, o monstro teria de assegurar o saque à população de forma silenciosa, criando dívida e dinheiro sem fim. Em certo dia, atingiu uma dimensão desmesurada, superior a 7,2 biliões de Euros, passando a colocar em perigo a sua imagem pública, em resultado da elevadíssima inflação que provocou.
Tal como no romance de Mary Shelley, por forma a vingar-se, o monstro decide assassinar os seus criadores: será através do Euro Digital, onde cada carteira digital indicará o número de tokens existentes, impossibilitando a contrafacção de dinheiro pelos bancos.
Será a sua morte às mãos do monstro. Com o seu fim, o monstro tornar-se-á a super criatura que controlará a vida de todos os cidadãos, ocupando o lugar cimeiro de uma tirania sobre a humanidade: o que consumimos, quanto consumimos, a que horas consumimos, com quem transaccionamos, o que podemos consumir, se temos direito a um rendimento mínimo, quanto nos retiram em impostos, em que zona geográfica podemos consumir no caso de confinamento…no fundo, o epicentro de um crédito social chinês.
No romance de Mary Shelley, o monstro acaba a chorar a morte do seu criador; na nossa história, será ao contrário: o monstro rejubilará com todo o poder que alcançou com o desaparecimento dos seus criadores.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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