EDITORIAL DE PEDRO ALMEIDA VIEIRA

Trust in News: a angelical impunidade da soberba e desavergonha

por Pedro Almeida Vieira // Julho 29, 2023


Categoria: Opinião

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Talvez possam alguns leitores julgar excessivo tamanha cobertura. Esta semana, o PÁGINA UM dedicou quatro artigos (aqui, aqui, aqui e aqui) de investigação jornalística em redor da Trust in News – a empresa de media criada em finais de 2017 pelo antigo jornalista Luís Delgado. Não há nada aqui excessivo; e pelo contrário.

Esta cobertura tem um alcance superior ao de denunciar simples negócios pouco claros e situações financeiras escabrosas de uma empresa que detém mais de dezena e meia de títulos, incluindo neste portfólio as revistas Visão, Exame, Caras e Activa e ainda o Jornal de Letras.

Um jornalismo – que se arroga sempre de independente – não pode estar assente numa empresa com um capital social de 10 mil euros (como a Trust in News) e que, depois, inexplicavelmente, mantém um passivo de 5 milhões de euros com instituições bancárias, que continua a dever 4 milhões de euros à empresa de media (de maior dimensão, a Impresa) a quem comprou os títulos (os quais lhe eram um “cancro” financeiro) e vai somando calotes públicos que atingem agora 10,4 milhões de euros.

Qualquer outra empresa teria, neste quadro, fechado já as portas.

Estar isto a suceder numa empresa de media – e não é caso único, como o PÁGINA UM revelará na próxima semana –, perante o geral silêncio cúmplice da (outra) comunicação social, dos reguladores (Entidade Reguladora para a Comunicação Social e Comissão da Carteira Profissional de Jornalista), do Ministério das Finanças e do próprio Sindicato dos Jornalistas (e demais estruturas associados à imprensa) é intolerável.

Este é um silêncio intolerável. Parece ser uma espécie de omertà.

Vivemos um dos períodos mais dramáticos das democracias europeias, onde entidades supranacionais (como a Comissão Europeia) ou multinacionais de comunicação (como a Meta ou o Twitter) determinam, consoante os “caprichos” e interesses dos seus accionistas e influenciadores, o que deve ser conhecido (publicado) e o que deve ser ignorado (e censurado).

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Por esses motivos, mais do que nunca se esperaria que a Imprensa – a nobre função dos jornalistas com o seu código de ética – fosse um bastião da Democracia, denunciando desvarios.

Isso desvaneceu-se nas últimas décadas, e mais ainda nos últimos três anos, durante a pandemia, onde a generalidade da imprensa não apenas seguiu acrítica e cegamente a “narrativa oficial” como usou os seus poderes para silenciar, censurar e ostracizar vozes críticas. Tudo isto sob o conluio de muitos responsáveis editoriais, travestidos de jornalistas (já repararam como se perpetuam, aburguesando-se, muitos dos directores de informação dos principais órgãos de comunicação social?), e perante o acobardamento da generalidade dos jornalistas receosos de perder o emprego (podem não o perder, é certo, mas perdem o respeito e até de si mesmos).

A Trust in News – e foi também esse o desiderato desta investigação do PÁGINA UM – é sobretudo um paradigma dos tempos modernos. Um oportunista – no sentido de sentir uma oportunidade de negócios – vê na aquisição de um portfólio de revistas (sobrevalorizadas), uma possibilidade de solucionar um problema financeiro à Impresa, tendo como garantia empréstimos bancários e a conivência do Governo para meter calotes públicos que, até ao final do ano passado, atingem os 10,4 milhões de euros, num passivo de 27,2 milhões de euros.

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Chega a dar vontade de rir quando se relê uma entrevista que Luís Delgado à actual directora do Diário de Notícias, Rosália Amorim, em Janeiro de 2018, aquando da formalização da compra da Trust in News das revistas da Impresa por supostos 10,2 milhões euros (estão ainda por pagar 4 milhões,). Delgado recusava, de forma veemente, o rótulo de “testa-de-ferro” neste negócio, e garantia que “a compra foi feita sem nenhuma dívida, por isso, e desse ponto de vista, é muito interessante. Não fiz nenhum financiamento, não procurei nenhum banco. E para além dos EBITDAS positivos também não podia ser transferida nenhuma dívida”.

Chegaria a ser cómico tudo isto, se não fosse trágico. Hoje, Luís Delgado, com a sua Trust in News, tem um capital próprio (que inclui o capital social de 10 mil euros, o seu único investimento pessoal) de 33.448,29 euros. Isto num passivo total de 27.189.314,16 euros, que inclui os tais 10,4 milhões de euros de dívidas ao Estado. Na verdade, o Estado controla 42% da Trust in News sob a forma de Espada de Damôcles: uma execução fiscal se não se portar bem.

Na verdade, vejam que tipo de independência revistas como a Visão podem ter, quando o seu único proprietário controla (somando capital próprio e passivo), na verdadeira acepção do termo, uns míseros 0,12%. Na verdade, de jure, Delgado pode apresentar-se como o único responsável por um conjunto de revistas independentes. Mas, de facto, ele manda nada, e, quando muito, apenas manda fazer aquilo que os detentores da dívida querem.

Luís Delgado nunca cumpriu o acordo supostamente estabelecido com a Impresa, mas continua a ser convidado para falar na SIC.

Mas como o silêncio é total, perante estas investigações do PÁGINA UM, esta semana até correu bastante bem a Luís Delgado. Não teve, sobranceiramente, que justificar-se perante um jornal independente, confirmou que os seus parceiros da comunicação social seguem um omertà sobre a sua deplorável situação financeira, e assegura que, apesar das dívidas ao Estado se terem tornado públicas nada lhe sucedeu. Nem Ministério das Finanças o incomodaram, nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social se manifestou perante as sucessivas mentiras no Portal da Transparência dos Media.

Na verdade, as únicas pessoas que parece terem ficado incomodadas durante esta semana foram a directora da Visão, Mafalda Anjos, e a directora da Activa, Natalina de Almeida – que dirigem publicações da Trust in News – que ameaçaram o PÁGINA UM de processo judicial… por se terem usado fotografias que colocaram nas redes sociais, por alegadas violações dos direitos autoriais.

Mafalda Anjos até rotulou os artigos do PÁGINA UM como “fantasiosos”. A impunidade e a desavergonha em todo o esplendor. Até quando? Até acabar o Jornalismo? Até acabar a Democracia?

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