Correio Trivial

Este Papa não merecia tanto!

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Agosto 5, 2023


Categoria: Opinião

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A visita do Papa Francisco a Portugal criou enormes expectativas e teve, como sempre acontece neste nosso país, defensores acérrimos, críticos acirrados, polémicas várias e custos extraordinários.

Eu, que estou longe de poder ser considerado um católico, na verdadeira acepção da palavra, tinha esperança de que a vinda de Francisco fosse uma festa.

Tenho uma extraordinária admiração pelo Papa.

E pelo Homem.

Já escrevi, várias vezes, que o vejo como um Avô bem-disposto, com sentido de humor, simples, simpático e de uma inteligência fulgurante.

Poderia ficar a ouvi-lo, e a tentar aprender, durante horas.

As suas análises, as suas metáforas, os seus conhecimentos sobre tantas matérias, tornam-no naquele Mestre que todos gostaríamos de ter tido.

O modo como encara a Juventude, razão principal da sua vinda a Portugal, deveria servir de exemplo aos nossos políticos.

Dar lições como se falasse de igual para igual, responder a questões complicadas como se estivesse a perguntar, ou a tentar descobrir a resposta em comunhão com quem questiona, são sinais de uma superioridade intelectual que não pretende exibir, mas que surge naturalmente.

O aceitar das diferenças, nos mais pequenos pormenores, por vezes com uma frase irónica é, também, uma característica do Papa.

Como exemplo, a frase com que, numa escola, se despediu de alunos de muitas religiões:

“Rezem por mim ou, se não souberem, ou quiserem rezar, pelo menos mandem uma boa onda!”

Plateia conquistada.

Depois, as muitas horas em que, apesar da idade e das maleitas, andou de lado para lado, sempre no meio de multidões querendo tocá-lo, cumprimentá-lo, abraçá-lo, sempre com um sorriso tranquilo e olhos nos olhos com quem pronunciava o seu nome.

As centenas de milhares de jovens que encheram Lisboa de alegria, expressaram bem a sua admiração com a frase que gritavam aos quatro ventos:

“Esta é a juventude do Papa!”

O Papa mereceu tudo isto, mas… não merecia muitas outras coisas que a sua viagem deu a conhecer.

Não merecia que um Presidente quisesse parte da atenção que toda a população, e em especial os jovens, queria dar, exclusivamente, ao seu Convidado.

A presença constante, a tentativa absurda de se fazer notar, o modo, mais que efusivo, absolutamente desadequado, com que o cumprimentava, a tentativa exagerada de se mostrar “próximo” de Francisco tornou-se deprimente. 

Não merecia, também, que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa escondesse os sem-abrigo da cidade.

Disse que foi uma operação planeada, há muitos meses, e que todos aqueles pobres tinham sido abrigados em locais decentes.

Veremos, na semana seguinte ao regresso do Papa, a Roma, se à Baixa de Lisboa não regressam as camas de cartão, as barracas e os pedintes.

Não merecia que uma Associação, que ninguém conhece, espalhasse cartazes a falar do número de crimes cometidos por padres já condenados, veementemente, por este Papa.

Ninguém, muito menos um grupo de anónimos justiceiros, terá legitimidade para apontar o dedo a Francisco, nesta matéria.

Os cinco minutos de fama que todos os idiotas procuram, não podem justificar tudo.

Não merecia o Papa que, em todos as Cerimónias da Quaresma, lava os pés a doze presos (“todos podemos ser reclusos um dia”, já o repetiu várias vezes), e não a doze políticos, a doze padres, a doze empresários, que – para além de ficar a conhecer a vergonha da Lei de Amnistia aprovado sob o pretexto da sua vinda – não tivesse, no seu programa, a visita a uma cadeia.

Sendo as Jornadas da Juventude poderia ir, e gostaria de ter ido, por exemplo, à Prisão Escola de Leiria, ou ao Estabelecimento Prisional do Linhó. Dois locais repletos de jovens.

Esse gesto seria mais eficaz, na luta pela reabilitação, do que todo o trabalho que pudesse ser feito por psicólogos, durante meses.

Não merecia, finalmente, este Papa, que o padre da Igreja de São João de Brito, na Praça de Londres, em Lisboa, expulsasse de um espaço dessa igreja, desde há muito usado por centenas de sem-abrigo, que ali tomavam banho, comiam graças ao apoio de Associações como a “Vida e Paz” e dormiam, para ali alojar dois mil peregrinos.

Um gesto que, estou certo, causaria uma enorme tristeza ao Papa Francisco.

Não fosse a vaidade de alguns, a subserviência de outros, a ignorância de muitos, no que concerne aos verdadeiros valores que o Papa defende, e a viagem teria sido ainda mais extraordinária.

É difícil ter a grandeza de Francisco, há que reconhecer.

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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