A visita do Papa Francisco a Portugal criou enormes expectativas e teve, como sempre acontece neste nosso país, defensores acérrimos, críticos acirrados, polémicas várias e custos extraordinários.
Eu, que estou longe de poder ser considerado um católico, na verdadeira acepção da palavra, tinha esperança de que a vinda de Francisco fosse uma festa.
Tenho uma extraordinária admiração pelo Papa.
E pelo Homem.
Já escrevi, várias vezes, que o vejo como um Avô bem-disposto, com sentido de humor, simples, simpático e de uma inteligência fulgurante.
Poderia ficar a ouvi-lo, e a tentar aprender, durante horas.
As suas análises, as suas metáforas, os seus conhecimentos sobre tantas matérias, tornam-no naquele Mestre que todos gostaríamos de ter tido.
O modo como encara a Juventude, razão principal da sua vinda a Portugal, deveria servir de exemplo aos nossos políticos.
Dar lições como se falasse de igual para igual, responder a questões complicadas como se estivesse a perguntar, ou a tentar descobrir a resposta em comunhão com quem questiona, são sinais de uma superioridade intelectual que não pretende exibir, mas que surge naturalmente.
O aceitar das diferenças, nos mais pequenos pormenores, por vezes com uma frase irónica é, também, uma característica do Papa.
Como exemplo, a frase com que, numa escola, se despediu de alunos de muitas religiões:
– “Rezem por mim ou, se não souberem, ou quiserem rezar, pelo menos mandem uma boa onda!”
Plateia conquistada.
Depois, as muitas horas em que, apesar da idade e das maleitas, andou de lado para lado, sempre no meio de multidões querendo tocá-lo, cumprimentá-lo, abraçá-lo, sempre com um sorriso tranquilo e olhos nos olhos com quem pronunciava o seu nome.
As centenas de milhares de jovens que encheram Lisboa de alegria, expressaram bem a sua admiração com a frase que gritavam aos quatro ventos:
– “Esta é a juventude do Papa!”
O Papa mereceu tudo isto, mas… não merecia muitas outras coisas que a sua viagem deu a conhecer.
Não merecia que um Presidente quisesse parte da atenção que toda a população, e em especial os jovens, queria dar, exclusivamente, ao seu Convidado.
A presença constante, a tentativa absurda de se fazer notar, o modo, mais que efusivo, absolutamente desadequado, com que o cumprimentava, a tentativa exagerada de se mostrar “próximo” de Francisco tornou-se deprimente.
Não merecia, também, que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa escondesse os sem-abrigo da cidade.
Disse que foi uma operação planeada, há muitos meses, e que todos aqueles pobres tinham sido abrigados em locais decentes.
Veremos, na semana seguinte ao regresso do Papa, a Roma, se à Baixa de Lisboa não regressam as camas de cartão, as barracas e os pedintes.
Não merecia que uma Associação, que ninguém conhece, espalhasse cartazes a falar do número de crimes cometidos por padres já condenados, veementemente, por este Papa.
Ninguém, muito menos um grupo de anónimos justiceiros, terá legitimidade para apontar o dedo a Francisco, nesta matéria.
Os cinco minutos de fama que todos os idiotas procuram, não podem justificar tudo.
Não merecia o Papa que, em todos as Cerimónias da Quaresma, lava os pés a doze presos (“todos podemos ser reclusos um dia”, já o repetiu várias vezes), e não a doze políticos, a doze padres, a doze empresários, que – para além de ficar a conhecer a vergonha da Lei de Amnistia aprovado sob o pretexto da sua vinda – não tivesse, no seu programa, a visita a uma cadeia.
Sendo as Jornadas da Juventude poderia ir, e gostaria de ter ido, por exemplo, à Prisão Escola de Leiria, ou ao Estabelecimento Prisional do Linhó. Dois locais repletos de jovens.
Esse gesto seria mais eficaz, na luta pela reabilitação, do que todo o trabalho que pudesse ser feito por psicólogos, durante meses.
Não merecia, finalmente, este Papa, que o padre da Igreja de São João de Brito, na Praça de Londres, em Lisboa, expulsasse de um espaço dessa igreja, desde há muito usado por centenas de sem-abrigo, que ali tomavam banho, comiam graças ao apoio de Associações como a “Vida e Paz” e dormiam, para ali alojar dois mil peregrinos.
Um gesto que, estou certo, causaria uma enorme tristeza ao Papa Francisco.
Não fosse a vaidade de alguns, a subserviência de outros, a ignorância de muitos, no que concerne aos verdadeiros valores que o Papa defende, e a viagem teria sido ainda mais extraordinária.
É difícil ter a grandeza de Francisco, há que reconhecer.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.