Correio Trivial

Justiça no futebol: uma treta

black and white abstract painting

minuto/s restantes


O futebol, como se sabe, há muito deixou de ser um desporto-espectáculo para passar a uma das mais lucrativas indústrias a nível global.

Os contratos feitos diariamente, em todo o mundo, só terão paralelo com as áreas onde o dinheiro se conta pelos biliões (armas, petróleo, drogas lícitas e ilícitas).

Pensar que um clube pode oferecer, pela contratação de um jogador, para o período de um ano, mil milhões de euros, sendo trezentos milhões para o seu clube e setecentos milhões para o atleta, é algo que soa a irreal.

three white-and-black soccer balls on field

E esse foi o valor que um clube (um país, na realidade) ofereceu a Kylian Mbappé para, durante um ano, envergar a camisola de uma equipa de futebol.

Para percebermos bem, o atleta receberia cerca de dois milhões de euros… por dia!

Estes exageros escandalosos poderão resultar na morte de uma galinha de ovos de ouro se os responsáveis máximos da FIFA e UEFA não colocarem um travão a estes absurdos.

O problema maior é que a justiça desportiva consegue, por incrível que pareça, ser ainda pior do que a que rege a vida na sociedade civil.

Os negócios das contratações, principalmente, com milhões de euros a serem distribuídos por empresários e dirigentes, sem um controle apertado das autoridades desportivas, são de todos conhecidos, mas ficam, sempre, impunes.

A “justiça desportiva”, e em especial no futebol, é uma treta aceitando sem o mais pequeno sinal de desagrado, as maiores vergonhas que se possam imaginar.

Desde logo não reage ao aumento constante de uma violência vergonhosa porque assente no facciosismo.

Impedir, por exemplo, que uma criança, por pequena que seja, possa entrar num estádio vestindo a camisola do seu clube, somente porque este é o adversário da equipa “da casa”, é inconcebível.

Mas acontece, todas as semanas, em dezenas de campos, mesmo nos das equipas de topo.

A falta de rigor na vigilância à entrada dos estádios, principalmente em dias de jogos entre equipas de conhecida rivalidade, é outro problema grave porque permite a entrada de objectos e artefactos que a Lei proíbe e que põem em causa a segurança dos espectadores.

O aumento escandaloso dos preços de bilhetes para adeptos do clube rival, muitas vezes enviados para as zonas com pior visibilidade são, também, habituais sem a intervenção de quem de direito.

Mas o pior de todos os males é, sem dúvida, o desdém com que os Conselhos de Disciplina (?) analisam e “punem” futebolistas, treinadores e dirigentes que não cumprem a Lei nem, muitas vezes, as regras mais básicas da educação e do desportivismo.

a large crowd of people

Aceitar que se lute pela vitória usando uma “agressividade” que roça a violência, os insultos mais soezes, as ameaças mais criticáveis, é inadmissível.

Tanto mais que se sabe que tudo isso é visto, hoje em dia, por milhões de pessoas em todo o mundo.

Isto para não falar das substâncias ilícitas que algumas equipas dão aos seus atletas com o único intuito de poderem aumentar, no momento, os seus índices físicos ainda que tal possa provocar males irreparáveis à saúde destes num futuro próximo.

A vitória num jogo sobrepõe-se, para alguns, a tudo o mais incluindo a vida dos seus próprios atletas.

O discurso do ódio e as atitudes irracionais dentro dos estádios, por vezes em jogos transmitidos para todo o mundo, são frequentes e, também elas, punidas com pequenas reprimendas ou castigos menores.

Tudo isto pode levar a afastar, dos campos de futebol, milhares de adeptos ou simples apreciadores de futebol.

Ninguém, no seu perfeito juízo, quer correr o risco de levar a família, principalmente crianças, para locais onde, a qualquer momento, pode haver uma luta entre dezenas de energúmenos.

person in brown long sleeve shirt covering face with hand

Tudo isto porque a Justiça Desportiva é branda com os prevaricadores.

Várias vezes escrevi que os clubes deveriam deixar entrar, gratuitamente, em todos os jogos, as crianças, e jovens, até 15 anos.

Encheriam estádios, na maior parte das vezes vazios, valorizando o espectáculo, para além de criarem futuros fiéis espectadores.  

De uma coisa estou seguro, enquanto os responsáveis máximos não criarem regras que impeçam, de uma vez, a impunidade de todos quantos incumprem em relação a todas as regras de civismo e desportivismo no futebol, este não deixará de perder adeptos.

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.