No mundo da política e da comunicação, LPM e Luís Paixão Martins são sinónimos, mesmo se formalmente este consultor já abandonou a chefia de uma das mais influentes empresas do sector, muito por força da sua ligação ao Partido Socialista. Mas embora a presença de LPM continue perene nos meandros governamentais, sendo exemplo a ligação com a Presidência do Conselho de Ministros, os contratos públicos reforçam sobretudo o portfolio, até porque a sua facturação é quase toda do mundo privado. O seu mais recente trunfo é a definição e implementação da estratégia de comunicação da todo-poderosa Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, cujo contrato foi publicado no Portal Base na semana passada. Claro que se as chinese walls funcionarem, nenhum dos 17 clientes da LPM na área da Saúde, entre as quais constam sete farmacêuticas, beneficiarão desta ligação com a nova entidade estatal presidida por Fernando Araújo…
A LPM Comunicação – a empresa fundada por Luís Paixão Martins, consultor de marketing político do Partido Socialista, e há vários anos administrada pelo seu filho João – ganhou o concurso para prestação de serviços de assessoria de imprensa da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), enquanto mantém, no seu portfólio de clientes privados, sete farmacêuticas e mais uma dezena de empresas e entidades do sector da saúde, entre as quais um hospital privado, uma empresa de homeopatia, três sociedades médicas, uma empresa e uma associação de empresas de diagnóstico médico, uma fundação e duas instituições não governamentais.
O contrato foi assinado em Maio, mas apenas divulgado na semana passada no Portal Base, e surge no decurso de um concurso público, envolvendo mais duas empresas (Creative Minds e KICAB), para assessorar a equipa de Fernando Araújo a instalar uma estrutura. Na prática, a DE-SNS vai centralizar algumas das funções políticas e administrativas que estavam dispersas pelo próprio Governo e por duas entidades públicas: a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).
No entanto, apesar da ideia da criação da DE-SNS ter saído de um Conselho de Ministros do início de Setembro do ano passado, os alicerces têm estado a avançar a conta-gotas, sem ainda sequer estarem aprovados os estatutos. Por exemplo, a partir de ontem, por Resolução do Conselho de Ministros, a DE-SNS passou a ser a entidade que formalmente passa a designar, por despacho, os membros dos órgãos de gestão de hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e unidades locais de saúde.
No entanto, essa função até já ocorria na prática nos últimos meses, desde que Fernando Araújo, antigo administrador do Centro Hospitalar de São João, foi escolhido por Manuel Pizarro, ministro da Saúde. Por exemplo, a antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, foi já indicada pela DE-SNS para o cargo de presidente do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que abrange o Hospital de Santa Maria. Recorde-se que Ana Paula Martins era então directora dos assuntos governamentais da farmacêutica Gilead e ocupara, durante alguns meses, o cargo de vice-presidente do PSD no final de mandato de Rui Rio.
As funções de grande sensibilidade política e social previstas para a DE-SNS – para além da gestão, supervisão e monitorização das unidades do SNS, definirá diretrizes, normas e orientações, com implicações nos fornecedores, utentes e empresas privadas – parecem não ter sido consideradas na escolha da empresa de por onde passará a estratégia de comunicação e de assessoria de imprensa.
De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, a LPM identifica como seus clientes, apenas no sector da Saúde, sete farmacêuticas – AbbVie, Bluepharma, Daiichi-Sankyo, Gedeon Richter, GlaxoSmithKline, Novartis e Viatris –, uma empresa de homeopatia (Boiron), duas entidades na área do diagnóstico – a empresa Hologic e a Associação Portuguesa das Empresas de Diagnósticos Médicos (Apormed) –, uma empresa hospitalar privada (Lusíadas), uma fundação associada a uma farmacêutica (Fundação Bial), duas organizações não-governamentais sem fins lucrativos (Liga Portuguesa contra o Cancro e a União das Associações das Doenças Raras de Portugal) e ainda três sociedades médicas (Sociedade Portuguesa de Senologia, Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia e Sociedade Portuguesa de Cardiologia). Esta última sociedade médica é aquela que mais financiamento obtém do sector farmacêutico desde 2017, enquanto a penúltima se encontra no top 10.
Contudo, apesar disso, nos critérios de avaliação das candidaturas, cujo processo acabou por ser instruído pelos SPMS, não houve qualquer critério de índole ético que pudesse excluir candidatos que tivessem conflitos de interesse por deterem relações comerciais com entidades privadas do sector da saúde ou com alguma que estivesse sob a supervisão directa ou indirecta da DE-SNS.
Pelo contrário. Além do preço (com um peso de 30%), a “experiência na Área da Assessoria de Imprensa no Setor da Saúde” era um dos critérios explícitos de avaliação qualitativa das propostas, com um peso de 35%.
Ou seja, não houve qualquer cláusula que obrigasse a uma exclusividade, para garantir independência e evitar transmissão de informação privilegiada entre a DE-SNS e clientes da empresa de comunicação vencedora.
Deste modo, a LPM até acabou fortemente beneficiada por possuir contas de 17 clientes na área da Saúde, incluindo as sete farmacêuticas e até um hospital privado.
Em todo o caso, este “problema” seria similar se a escolhida fosse a Creative Minds, que no seu site expõe os seus 28 clientes no sector da Saúde, embora sem incluir tantas empresas de grande dimensão. Com efeito, no meio de pequenas e médias empresas, destaca-se apenas, no sector farmacêutico, a portuguesa Medinfar.
Pelo caminho, neste concurso, ficou a Kicab, a empresa pertencente a Rui Neves Moreira, que foi assessor de imprensa no Hospital de São João, tendo sido escolhido por Fernando Araújo para o assessorar nas primeiras fases de instalação da DE-SNS. Esse contrato, com a duração formal de 9.000 euros por apenas 25 dias de trabalho, levantou celeuma no início deste ano, por envolver um custo de 360 euros por dia.
Saliente-se, contudo, que no contrato agora em vigor com a LPM, o valor nem é elevado para os padrões do mercado. O preço do contrato – 22.380 euros (sem IVA), perfazendo cerca de 2.800 euros por mês, durante os oito meses de duração – até ficou ligeiramente abaixo do preço base, que era de 23.600 euros, o que denota o interesse na aquisição deste cliente público. Na verdade, por exemplo, comparando o montante deste contrato com o volume de negócios da LPM em 2021 – as contas relativas ao ano passado ainda não se encontram disponíveis –, estamos perante uma gota de água.
Com efeito, embora conhecida por ser uma empresa de comunicação próxima do poder, o Estado e a Administração Central e Local nem são assim tão bons clientes em termos de facturação. Em 2021, as receitas da LPM totalizaram 5.976.574 euros, e os seis contratos públicos nesse período (Região de Turismo do Algarve, Direcção-Geral do Património Cultural, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género e Câmara Municipal de Almada, com dois) ascenderam aos 153.770 euros. Ou seja, o sector privado representou 97,4% da facturação da LPM.
Porém, no mundo da comunicação empresarial, ter uma porta de passagem para o poder mostra-se fundamental. E assim, mais importante do que uma verba num contrato público, ostentar na carteira um organismo estatal com o quilate da DE-SNS vale ouro.
Mesmo quando existe em contrato uma “cláusula de direitos sobre a informação”, que estipula que a LPM não pode usar nem ceder a terceiros a informação da DE-SNS sem autorização prévia. E mesmo que as empresas de comunicação jurem, a pés juntos, que usam (ou colocam em práticas) as chinese walls, quase sempre mais míticas do que verídicas.